José António Moreira, Expresso online
As férias passaram, o retorno ao trabalho e às preocupações associadas é um facto. Continua pendente, sem fim à vista, a reclamação sobre serviços pagos e não usufruídos. Entretanto, os mercados “online” vão continuar a ser parte da vida do dia-a-dia, mas o medo de voltar a ser defraudado é enorme. Na selva “online”, o perigo espreita a cada esquina
O período pós-férias traz consigo, sempre, ainda muito vivas, as memórias mais desagradáveis que perturbaram os dias de sol que deveriam ter sido de descanso e descontração. Talvez não haja possibilidade de ser de outro modo.
As compras na internet apresentam duas faces distintas: podem ser a melhor das soluções, quando tudo corre bem e, com um mínimo de esforço, às vezes em contextos geográficos inusitados, se obtêm os serviços de que se necessita; podem ser um inferno, onde não existe uma cara que represente a empresa e possa receber e responder a uma reclamação, quando o serviço prestado não corresponde ao contratado e pago.
É óbvio para qualquer consumidor “online” que a aquisição de bens ou serviços neste mercado deveria ser precedida de uma análise preliminar à seriedade da entidade com quem se deseja contratar. Por tal caraterística entenda-se ser idónea, com aptidão prática para poder prestar o serviço; ser integra, no sentido da abertura que tem para analisar e assumir responsabilidade nas transações que correram mal. Neste contexto, olhar a quantidade e natureza das reclamações por ela recebidas, em particular o modo como lhes responde e assume responsabilidades, contribuiria para se intuir o respetivo grau de seriedade.
Um pequeno investimento de esforço na análise pouparia muitos custos futuros, de modo particular quando, numa relação negocial insatisfatória, a contraparte é estrangeira. Às vezes nem se conhece qual o país da sua sede, qual o regime legal que a vincula. Neste contexto, onde, ou como, efetuar uma reclamação formal, que uma entidade idónea e isenta possa julgar?
Tratando-se de uma empresa sedeada na União Europeia, existirá um “livro de reclamações” para o efeito. Porém, esta certeza não responde por si só à questão levantada. Sendo a transação “online”, mesmo que essa contraparte não se negue a fornecer o formulário necessário, há grande probabilidade de, sem expressamente o assumir, usar de todas as dilações possíveis e imaginárias para não assinar e devolver o formulário ao reclamante, desse modo obviando a que a reclamação possa ser apresentada às entidades oficiais.
Tudo isto é óbvio e torna-se concreto para o consumidor “online” logo na primeira vez em que se veja envolvido em tal situação. A impotência sentida por não conseguir ir além de um ecrã que nada informa, nada sugere, é muita. Aumenta exponencialmente quando, já na fase problemática, uma busca um pouco mais aturada na internet, procurando reclamações relativas aos serviços prestados pela empresa contraparte, descobre que existe um oceano delas, muitas parecidas com a sua e sem qualquer solução.
Nessa altura, surge a recriminação pessoal por, antes da contratação, não ter feito o que acima se referiu como sendo óbvio e desejável, isto é, a formulação sustentada de um juízo sobre a seriedade da entidade com quem se contrata. Mas esse tipo de reflexão é tempo perdido. Não altera nada, apenas aumenta a frustração e faz esquecer que em cada momento as decisões são tomadas com a informação que foi possível obter. Num contexto de emergência, por exemplo, quando há necessidade de uma viagem para retornar a casa, dificilmente se encontrará um consumidor que tenha a frieza de investir alguns minutos em pesquisas destinadas a aferir tal seriedade.
Mesmo no caso excecional em que existe um mínimo de esforço de pesquisa, raramente a informação sobre reclamações aparece à superfície das primeiras páginas. Uma série de aspetos obstam a isso. Uns potencialmente alheios à empresa em causa, como a codificação da prioridade na disponibilização da informação dos motores de busca (relevância do conteúdo, utilidade, número de visitas, atualidade da informação, etc.); outros, que podem resultar de pequenos truques técnicos utilizados pelas empresas, que, por exemplo, evitam que determinadas páginas sejam apanhadas no “radar” daqueles motores; outros, ainda, que são consequência de pesquisa pouco direcionada.
As férias passaram, o retorno ao trabalho e às preocupações associadas é um facto. Continua pendente, sem fim à vista, a reclamação sobre serviços pagos e não usufruídos. Entretanto, os mercados “online” vão continuar a ser parte da vida do dia-a-dia, mas o medo de voltar a ser defraudado é enorme. Na selva “online”, o perigo espreita a cada esquina, as entidades de baixa ou nenhuma seriedade parecem ser a maioria. Forçá-las a mudar o comportamento, no limite correr com elas do mercado, passa, também, em grande parte, pelo comportamento do consumidor, por uma estratégia do tipo RPR: Reclamar, sempre que seja defraudado; Partilhar, para assinalar o perigo; Recusar, não voltando a negociar com a entidade.