Óscar Afonso, Expresso online

Se as contas publicas registarem, efetivamente, um excedente orçamental em 2023, estamos perante uma situação inaudita, pois geralmente, no reporte de setembro, o valor previsto do défice orçamental do ano é muito próximo do apresentado pouco tempo depois, em outubro, no relatório da proposta orçamental. Por isso, a bem da transparência e do bom uso dos dinheiros públicos, esperam-se explicações cabais do destino desse dinheiro

O Conselho de Finanças Públicas (CFP) atualizou recentemente as suas projeções macroeconómicas para Portugal num cenário de políticas invariantes, significando que apenas são consideradas medidas de política já legisladas.

As previsões de crescimento económico passaram para 2,2% em 2023 (+1,0 pontos percentuais, p.p., face a março) e 1,6% em 2024 (-0,2 p.p.), valor este que será tido em conta no enquadramento da projeção do Governo no Relatório da Proposta de Orçamento de Estado (OE) para o próximo ano, com o CFP a assinalar desde já o “risco de o enquadramento externo poder ser pior do que o assumido”, mas também, em sentido contrário, que “uma aceleração na execução do PRR e dos PT2020 e PT2030 mais forte do que a assumida nas hipóteses do exercício poderá ter um impacto positivo sobre a FBCF”.

Nos dados orçamentais do CFP, o número que chama mais a atenção é a perspetiva de um excedente de 0,9% do PIB em 2023 – a que se segue 0,8% em 2024, valor que sinaliza a margem orçamental do Governo, antes das medidas de política, sob o cenário do CFP –, que seria apenas o segundo (e o mais alto) em Democracia, após o valor de 0,1% alcançado em 2019.

Atendendo ao abrandamento económico na segunda metade de 2023, o excedente previsto pelo CFP para este ano coaduna-se perfeitamente com o saldo de 1,1% do PIB registado no 1º semestre, decorrente do impacto da inflação no crescimento acentuado das receitas fiscais, que o Governo tem optado por não devolver aos contribuintes.

Qual não é espanto de todos os que acompanham as matérias económicas, quando o reporte de setembro do Procedimento dos Défices Excessivos do INE ao Eurostat, tendo como base informação do Ministério das Finanças (MF), mantém a previsão de um défice orçamental de 0,4% do PIB para 2023 do Programa de Estabilidade de abril, traduzindo uma diferença de 1,3% do PIB face à projeção do CFP, quase 3 400 milhões de euros.

Admitindo que quer o CFP quer o MF estão certos, isto significa que o Governo irá gastar ainda este ano, em medidas não legisladas, esse diferencial, que é muito substancial.

Tal não parece verosímil, ainda que o Governo se continue a desdobrar em anúncios de medidas – que, na maioria dos casos, são pouco mais do que “rebuçados”, não resolvendo os problemas de fundo – para uma plêiade alargada de eleitores antes da entrega da Proposta de OE, já em preparação para a as eleições europeias de 2024, como seria de esperar nesta fase do ciclo politico-eleitoral.

Para termos uma comparação, o PSD propôs, na atual situação de emergência social – face às taxas de juro historicamente elevadas e à redução acumulada de poder de compra devido à inflação –, devolver às famílias contribuintes ainda em 2023, através da baixa do IRS, cerca de 1 200 milões de euros, o que representa 35% do diferencial acima calculado.

O Governo respondeu que a redução de IRS só será considerada no OE de 2024, sinalizando claramente que pretende “apostar as fichas” nesse ano eleitoral e não em 2023.

Assim sendo, é legítimo perguntar: onde pára o excedente orçamental previsto pelo CFP para 2023?

Se as contas publicas registarem, efetivamente, um excedente orçamental em 2023, estamos perante uma situação inaudita, pois geralmente, no reporte de setembro, o valor previsto do défice orçamental do ano é muito próximo do apresentado pouco tempo depois, em outubro, no relatório da proposta orçamental, até porque a fonte primaria dos dados (o MF) é a mesma.

Por isso, a bem da transparência e do bom uso dos dinheiros públicos, esperam-se explicações cabais do destino desse dinheiro, que para já é apenas uma previsão do CFP. O local próprio é o Relatório da Proposta de OE de 2024, mas muito provavelmente serão precisas explicações adicionais do Ministro das Finanças e do Secretário de Estado.

É apenas mais um condimento extra deste OE, onde também se aguarda com expectativa se alguma(s) das medida(s) do chamado “Pacto Social” proposto pela CIP serão acolhidas pelo Governo – as que implicam redução das contribuições sociais foram, desde logo, rejeitadas –, mas há uma enorme falta de transparência neste processo, pelo facto do documento de base não ter sido tornando público, só se conhecendo pela comunicação social algumas medidas, sem o detalhe suficiente para uma análise fundamentada, dentro de um suposto conjunto mais extenso de propostas em várias áreas.

Por outro lado, ainda que tenha sido referido que as propostas resultaram de alguma coordenação (conversações) prévia com entidades sindicais – e inicialmente, presumiu-se também com as outras confederações patronais –, o que perpassa agora é a surpresa da maioria dos demais parceiros sociais perante as medidas da CIP, que aparentemente parecem querer “ultrapassar pela esquerda” os sindicatos, colocando também o ónus ao Governo se não demonstrar abertura para acolher medidas aparentemente populares.

Só com todos os dados se pode fazer uma apreciação mais cabal das medidas propostas pelos vários parceiros sociais (não apenas a CIP) e do que irá efetivamente resultar de todo este processo em termos de adoção de propostas pelo Governo.

É sabido em Economia Pública que todo este processo de consulta de lobbies instituídos e mesmo o próprio processo parlamentar tende a prejudicar o saldo orçamental, geralmente pelo acolhimento de medidas que aumentam a despesa pública.

Desta vez, o Governo terá de moderar a tendência despesista, mesmo com a margem orçamental prevista (a assinalada pelo CFP, para já), isto se quiser continuar a reduzir o rácio de dívida pública no PIB e, ao mesmo tempo, reduzir de forma significativa, como vem apregoando, a elevada carga fiscal (num máximo de 36,4% do PIB em 2022), que se reflete no 5º maior esforço fiscal da União Europeia (após relativizar essa carga pelo nível de vida relativo como medida de capacidade contributiva), 17% acima da média.

Infelizmente, o histórico das propostas de OE está cheio de previsões de redução da carga fiscal que acabam, quase sempre, em aumentos, só assim se explicando que a carga fiscal atinja máximos consecutivos. Face ao efeito da inflação nas receitas, é possível que em 2023 se venha a registar um novo máximo no indicador habitual de carga fiscal, veremos se 2024 será o ano de inversão ou teremos mais do mesmo.