Paulo Vasconcelos, OBEGEF
A fraude e a contrafação são preocupações crescentes para a indústria vitivinícola em Portugal, e no mundo. Estas práticas são graves e induzem perdas significativas por evasão fiscal, por desconfiança na credibilidade das empresas e por defraudação de quem compra.
O setor do vinho em Portugal foi responsável por uma produção de 6.8 milhões de hectolitros, em 2022, dos quais 47% foi exportado em volume, num montante de 941 mil milhões de euros; tal desempenho representa 1.2% das exportações portuguesas (10.4% das exportações de alimentos). Somos o nono maior exportador mundial em valor, o décimo produtor mundial, com uma cota de 2.7% do comércio mundial. Já este ano de 2023 espera-se possamos alcançar a marca simbólica de mil milhões de euros em exportações (informações obtidas de ViniPortugal). É, pois, um setor importante da atividade do país, sendo que tem havido um esforço concertado entre produtores, associações profissionais e institutos públicos para promoverem as vendas e contribuírem para a melhoria da qualidade; estas entidades têm tentado também promover o aumento do preço médio e a sustentabilidade do setor. As exportações são essencialmente para mercados abastados como a França, Reino Unido, Suíça, Estados Unidos, Canadá, Brasil, Angola e China.
A fraude ocorre quer em vinhos de alto valor, claro que a fraude é mais apelativa quanto maior for o valor da garrafa, quer em vinhos de menor valor.
No primeiro caso, é extremamente compensador para o defraudador substituir o produto original por outro de custo e com qualidade muito inferior. Vinhos premium de muito elevada qualidade, em geral só acessíveis em locais de venda específicos como em garrafeiras ou em leilões dedicados, são um nicho, mas muitas garrafas podem ascender a valores astronómicos.
A venda de vinho tem vindo a crescer como investimento e valor de refúgio, tornando cada vez mais relevante a garantia da autenticidade dos chamados vinhos raros. Sendo difícil identificar falsificações que são extremamente bem feitas, tal como na clonagem de obras de arte, há já empresas de investimento vínico que assumem a responsabilidade de proteger o portfólio dos seus investidores. Segundo uma destas empresas, o grupo Oeno, mais de 4 mil milhões de dólares são gastos em vinhos falsificados em todo o mundo. Por exemplo, num leilão que ocorreu em Hong Kong, uma garrafa de Domaine de la Romanée-Conti 2002 foi vendida por um valor superior a 350 mil euros; no entanto, a venda foi revogada por suspeitas quanto à sua autenticidade.
Um caso notável de falsificação de vinho envolveu Rudy Kurniawan que em 2013 foi condenado a 10 anos de prisão por vender milhões de dólares em vinhos falsificados como colecionáveis e raros. Também em Portugal, com as marcas mais premium, já surgiram problemas. Em 2017 foram apreendidas mais de 1000 garrafas de cópias dos representantes mais caros da região demarcada do Douro e do Alentejo.
Mas os vinhos de menor valor podem ver a fraude cometida por aquisição de uvas ou mosto ou mesmo vinho já feito de fora da região com a qual é comercializado a preços significativamente mais baixos. Não é rara a importação de países como a Espanha, um dos grandes produtores mundiais de vinho. Recentemente foram detetados em França dez milhões de garrafas que indicavam vinho francês e na verdade continham vinho produzido em Espanha. A França, um dos maiores produtores de vinho mundiais, importa dezenas de milhões de litros de vinho a granel, em geral de baixo preço.
Mas esta importação ou transladação de vinho pode até estar protegida por lei. Por exemplo em Portugal, e em outros países, é possível a um vinho dito regional incorporar até 15% de vinho de outra região. Também há muitos vinhos que se comercializam sem região e se designam por vinho de mesa ou apenas vinho, não havendo indicação do local da sua produção.
O vinho não pode ser vendido barato senão não é rentável, pelo menos em parte da cadeia produtiva. Ficam muitas dúvidas com os preços muito baixos que se praticam em muitas superfícies comerciais. Ou a produção consegue reduzir o custo de produção a valores inimaginavelmente baixos e provavelmente em prejuízo, e é verdade que muitos produtores estão a desaparecer ou a ser incorporado em organizações de maior dimensão, ou alguma estratégia menos clara deverá estar a ser usada. Esta é a realidade mais presente no vinho. Ora se vinho de qualidade é vendido a granel na casa dos 0.80 a 1.20 euros, dependendo de região e qualidade, como é possível ser transportado, engarrafado, rotulado, rolhado, armazenado e transportado de novo, para ser comercializado abaixo dos 2 euros? É possível adquirir vinho em zonas com muita produção e com custos produtivos baixos por 0.40 euros e, em quantidade, conseguir colocar no mercado garrafas a preços muito competitivos, mas poderá não ser vinho da região (e país) onde o produto está rotulado.
Aliás, um consumidor deveria negar-se a comprar um produto alimentar a preços ridiculamente baixos: ou está a comprar algo sem qualidade e de proveniência diferente da anunciada ou esse vinho é o resultado de uma cadeia de formação de preços que esmaga e leva à ruína quem cultiva a vinha, trabalha a fruta e a fermenta.