José António Moreira, Expresso online
Quando se está na posição de cliente pode parecer muito interessante que o banco assuma plena responsabilidade pelos pagamentos e transferências que aquele faz. Mas existirá um custo para os clientes, que tornará os serviços bancários mais caros
O meu amigo A. poderia ser um modelo de comportamento a adotar no controlo regular dos valores financeiros à guarda de instituições bancárias. Com a regularidade de um relógio suíço, consulta o extrato bancário da sua conta e reconcilia-o com o extrato que ele próprio prepara numa folha de cálculo Excel. Há dias, numa dessas auditorias, constatou que lhe havia sido retirado da conta um montante não despiciendo, para o qual não encontrou contrapartida nos seus próprios registos.
Perante o seu pedido de esclarecimento, o banco informou-o de que se tratava de transações efetuadas com o cartão de crédito. Transações que ele não efetuara. Fora defraudado. Não sabendo onde nem quando, o seu cartão havia sido clonado e o resultado estava à vista. Perante a situação e a reclamação que efetuou junto do banco, este repôs-lhe o montante na conta e, para ele, tudo não passou de um susto e umas horas de ocupação não planeada.
Porém, nem sempre os bancos assumem com tanta facilidade, como responsabilidade sua, as fraudes de que são vítimas os seus clientes. Por vezes, não assumem de todo. Veja-se o que se passou com o Banco CTT, não há muito tempo, em que clientes viram as suas contas esvaziadas dos fundos – uns na sequência de “phishing”, através de página de internet falsa, que se apoderou dos dados de acesso; outros, conforme afirmam, em que os dados de acesso teriam sido obtidos por “hackers” junto do próprio sistema do banco. Muitos meses depois, clientes ainda lutam para que o banco assuma responsabilidade pelos valores furtados.
O elemento principal que está sempre presente na discussão sobre se os bancos devem assumir por regra o tipo de responsabilidade referido é o do risco moral (“moral hazard”) subjacente. Genericamente, aqueles argumentam que se, por princípio, assumissem tal responsabilidade, os clientes deixariam de ter qualquer incentivo para usarem de um mínimo de precaução e cuidado na gestão das suas contas, porque o seu banco estaria sempre lá para assumir o custo das suas desatenções. Ou seja, adviria para os bancos um aumento de risco do negócio.
Este argumento também se esgrime no Reino Unido, mas não impede que o Parlamento tenha em curso a discussão de legislação destinada à proteção do cliente bancário, mesmo em situações que, aparentemente, parecem ser mais da responsabilidade deste do que o banco, como é o caso da “fraude por transferência em tempo real autorizada”.
Dois exemplos deste tipo de fraude:
i) um indivíduo é contatado telefonicamente por um defraudador que o convence a investir num negócio, ao que aquele acede, transferindo fundos da sua conta destinados a um investimento que não existe;
ii) outro indivíduo fica “enfeitiçado” pelo telemóvel dos seus sonhos, que lhe é proposto a menos de metade do preço de mercado. Transfere fundos para o vendedor … que era, como (quase) sempre acontece numa “oferta demasiado boa para ser verdade”, um defraudador.
Pois bem, em ambos estes exemplos de transferências em tempo real autorizadas (pelo cliente bancário), aquilo que o legislador britânico parece inclinado para impor é que será a organização que gere o sistema de pagamentos (genericamente, o banco) a assumir o valor da fraude, compensando o cliente-vítima.
No presente, este esquema de assunção de responsabilidade por parte das instituições financeiras do Reino Unido é ainda voluntário. Segundo o Financial Times, no ano passado os 10 (grandes) bancos que aderiram ao referido esquema viram o número de reclamações de clientes defraudados reduzir-se 10%, face ao ano precedente, para um total de 5202 casos; em contrapartida, as restantes instituições, não aderentes ao esquema, viram o número destas reclamações aumentar em 38%.
Uma leitura superficial destes números poderia sugerir que não há acréscimo de risco moral para as instituições aderentes ao esquema, provavelmente porque os seus clientes se tornaram ainda mais cuidadosos do que os seus concidadãos que têm contas em bancos não aderentes. Custa a acreditar que, em média, o comportamento dos clientes dos bancos aderentes se tenha modificado pela única razão da adesão do seu banco. É mais fácil aceitar que as instituições aderentes, por via do acréscimo de risco que voluntariamente assumiram, se tenham tornado mais cuidadosas, assumindo controlos adicionais ao nível dos respetivos sistemas de pagamentos, evitando desse modo situações que poderiam dar origem a reclamações.
Algures entre a responsabilização total dos bancos, por qualquer decisão dos clientes – como nos casos referidos –, e a sua total desresponsabilização, tem de haver um ponto de equilíbrio que não exima nenhuma das partes em presença das consequências resultantes das decisões tomadas.
Quando se está na posição de cliente pode parecer muito interessante que o banco assuma plena responsabilidade pelos pagamentos e transferências que aquele faz. Porém, a acontecer tal cenário, existirá um custo para os clientes, que tornará os serviços bancários mais caros, por via de um prémio de risco que os bancos não deixarão de cobrar.
Duas situações se podem colocar:
i) o custo dos serviços bancários é diferente consoante o tipo de cobertura que o cliente deseje, levando a que cada um pague o que consome;
ii) a lei impõe às instituições que apliquem aos seus clientes um tratamento uniforme, o que as levará a cobrar o referido prémio de risco a todos por igual, originando uma situação de injustiça relativa que penalizará os clientes que usam de todos os cuidados para não serem defraudados.
Qualquer que seja a solução que neste domínio venha a ser adotada, também ao nível da cobertura do risco não há almoços grátis.