Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Estamos numa época de fogos e, como seria de esperar, na altura em que escrevo este artigo, em pleno agosto, temos um conjunto de incêndios a serem combatidos pelos bombeiros. Os dados sugerem que, no contexto europeu, Portugal gasta menos com incêndios do que seria de esperar face à área ardida, que, por sua vez, é muito maior do que seria de supor face às características de ocupação do território.
A informação pública disponível da Agência Europeia do Ambiente (AEA) sobre área ardida relativa ao Espaço Económico Europeu (EEE), que inclui a UE, Islândia, Liechtenstein e Noruega, cruzada com a informação do Eurostat da área terrestre de cada país, permite constatar que Portugal é claramente o país europeu com maior percentagem de área ardida média anual entre 1992 e 2020 face à sua superfície terrestre (1,04%), o quíntuplo do registado nos países EUMED5 (Espanha, Portugal, Grécia, Itália e França) - para os quais a AEA apresenta dados individuais e agregados de área ardida, por serem precisamente os que registam maiores valores na EEE - e 11 vezes mais do que na média da EEE (ver Figura 1).
Com uma área ardida média anual de 948 quilómetros quadrados (Km2) entre 1992 e 2020 (94 821 hectares, mais precisamente), Portugal representa 26,7% do valor do EUMED5 e 23,2% do conjunto da EEE. Uma razão para Portugal ter uma proporção relativamente alta de área ardida é ser o segundo país da UE com maior proporção de zona florestal (14,4% em 2018, face a 5,2% na média europeia, dados do Eurostat) - precisamente a parte do território mais afetada por incêndios em qualquer país -, apenas abaixo de Chipre (20,8%) e seguido de perto por Espanha (13,2%).
Contudo, sendo a nossa fatia de área florestal quase três vezes a da UE (2,93), multiplicando essa proporção pelo peso de Portugal na área terrestre total da União (2,2%), chegamos a um peso de Portugal na área florestal total da UE de 6,5%, muito abaixo da nossa proporção de 23,2% da área ardida da EEE num ano médio, onde a área florestal será a predominante.
Por seu turno, Espanha tinha em 2018 um peso de 33,0% da área florestal da UE - cerca de cinco vezes a de Portugal - e justifica 27,7% da área ardida da EEE num ano médio (entre 1992 e 2020), pouco mais do que Portugal, pelo que é evidente que o nosso país deverá ser um case study, pela negativa, em matéria de área ardida, com realce para a área florestal.
A elevada fatia de área florestal - mas que é pouco superior à de Espanha - resulta em parte da aposta na fileira da pasta e papel, em que Portugal tem uma posição de destaque, mas é conhecido que a parcela da área florestal ao cuidado dessa indústria é bem preservada e, por isso, pouco afetada por fogos florestais, ou não fosse uma parte relevante do negócio. O problema dos fogos florestais e da área ardida como um todo estará na proteção da restante área florestal, dispersa por muitos pequenos proprietários - que não extraem valor suficiente para limpar as propriedades, por mais leis que se façam nesse sentido, além das frequentes situações de heranças indivisas e pessoas no estrangeiro - e pelo próprio Estado, que não faz o suficiente na proteção das áreas florestais, sendo frequentes os fogos em áreas ao seu cuidado.
Naturalmente, as situações de fogo posto e as razões económicas e patológicas por detrás são também parte do problema e devem ser alvo de maior atenção na resolução do problema.
Acresce que Portugal tem uma menor exposição relativa ao ar quente de África do que os outros países do EUMED5, nomeadamente a vizinha Espanha (que tem ainda uma maior proporção de faixa interior), e é beneficiado pelo efeito moderador do clima atlântico (mais fresco que o Mar Mediterrâneo) em boa parte do território, associado ao conhecido anticiclone dos Açores. Não sendo especialista em matéria de incêndios ou clima, estas condições deveriam, tudo o resto constante, ser favoráveis a uma menor incidência relativa de ignição de incêndios em Portugal, particularmente na comparação com Espanha (que tem também uma elevada proporção de zona florestal), mas não é o que os dados de área ardida mostram, o que torna a situação de Portugal ainda mais gravosa e difícil de explicar.
Vejamos agora a despesa com proteção face a incêndios, que à partida deveria ser relativamente alta em Portugal à luz dos dados de área ardida apresentados, mas não é o que se verifica.
Em 2019, o Estado português gastou com "serviços de proteção contra incêndios" 0,27% da despesa pública total e 0,12% do PIB, correspondendo aos 3.º e 4.º valores mais baixos da UE, que registou pesos de 0,47% e 0,22%, respetivamente (dados do Eurostat). Nesse ano, a área árida em Portugal foi de 421 km2 (mais precisamente 42 084 hectares), cerca de 44% do valor médio histórico entre 1992 e 2020, ou seja, foi um ano bastante abaixo da média.
Vejamos agora o ano de 2016, quando a área ardida em Portugal foi de 1615 km2 (mais precisamente 161 522 hectares), bastante acima da média histórica já referida, tendo correspondido a 50,8% da área ardida no EUMED5 e 45,8% no conjunto da EEE, muito acima das proporções históricas já referidas.
Nesse ano, particularmente mau em temos históricos e face à UE em área ardida, a despesa com "serviços de proteção contra incêndios" de Portugal representou 0,30% da despesa pública total e 0,14% do PIB, em ambos os casos na 5.ª posição a contar do fim na UE, onde os valores médios foram de 0,45% e 0,21%, respetivamente. Conclui-se, portanto, que os pesos da despesa para Portugal foram superiores aos registados em 2019, um ano com menos área ardida, como seria de esperar, mas foram também dos mais baixos da União, pelo que se trata de uma tendência estrutural, que importa tentar perceber.
O mapa de cores da Figura 2 ilustra o peso desses serviços face à despesa pública total em 2016. É fácil de constatar que Portugal tem um valor baixo face aos outros países do sul, nomeadamente os do EUMED5. Contudo, os dados mostram também que vários países do centro e norte da Europa, como a Alemanha, a Chéquia, a Letónia, a Lituânia e a Estónia, tinham valores elevados de "serviços contra proteção de incêndios" no contexto da UE mesmo sendo pouco representativos em área ardida, situação que se verifica também em anos mais recentes.
Os dados mais recentes, relativos a 2021, mostram que Portugal ocupava a 6.ª posição mais baixa da UE na despesa com "serviços de proteção contra incêndios", tanto em proporção da despesa total (0,35% face a 0,46% na média da UE) como face ao PIB (0,17% face a 0,23%).
Os valores são um pouco superiores aos de 2019, mas embora não haja dados da AEA sobre a área ardida, as notícias sinalizam que foi um ano com uma área ardida bastante elevada em Portugal, servindo para confirmar o baixo valor estruturalmente baixo de despesa associada.
Como cidadão preocupa-me muito a posição cimeira de Portugal em área ardida ao longo dos anos, pela enorme destruição de capital natural, pelas emissões de gases de efeitos de estufa associadas e, em particular, pela perda de vidas humanas (população em zona de incêndios e bombeiros) e custos económicos para as populações afetadas.
Por isso, vou avançar com algumas hipóteses explicativas das tendências contraditórias que descrevi em relação à área ardida e despesa pública de proteção contra incêndios em Portugal.
Duas explicações plausíveis, que estão alinhadas com o que tenho ouvido de alguns especialistas na matéria - e não tendo encontrado dados para as comprovar -, são a menor despesa relativa de Portugal com a prevenção de fogos florestais e o menor nível de equipamento, sendo frequentes os pedidos de auxílio europeu (no âmbito do mecanismo europeus RescEU).
Outro dado adicional relevante é o facto de Portugal ter registado o 8.º valor mais alto na UE de bombeiros em percentagem do total de emprego em 2021 (dados do Eurostat), o que se coaduna com uma proporção elevada de incêndios em cada ano.
Não parece, por isso, ser a proporção de bombeiros a explicar a menor despesa relativa com proteção contra incêndios, mas falta verificar se os respetivos salários relativos (face ao resto da economia, tanto em Portugal como na UE) poderão ser inferiores aos padrões europeus.
A principal conclusão deste artigo é que Portugal tem uma média histórica de área ardida muito elevada no contexto europeu e face às suas condições intrínsecas, e gasta uma proporção relativamente baixa de despesa pública de proteção contra incêndios (no PIB e na despesa pública total), aspetos que devem ser vistos com cuidado pelas autoridades, para mais numa altura que a tendência de fogos florestais se tende a agravar devido às alterações climáticas, como mostram os incêndios associados à forte vaga de calor no sul da Europa este ano.
Figura 1: Área ardida média anual (1992-2020) e proporção do território na UE
Fonte: Eurostat e AEA (Agência Europeia do Ambiente). EEE (Espaço Económico Europeu) = UE + Islândia + Liechtenstein + Noruega.
Figura 2: Peso da despesa com serviços de proteção contra incêndio na despesa pública total dentro da UE (%), 2016
Fonte: Eurostat