Óscar Afonso, Expresso online

Os dados mais recentes da conjuntura económica afiguram-se menos positivos do que as recentes revisões em alta das previsões de crescimento da economia portuguesa apontavam.

No final de junho, o FMI reviu em alta a previsão de crescimento económico de Portugal para 2,6% em 2023 e 1,8% em 2024, pouco depois do Banco de Portugal ter apresentado as projeções mais otimistas até ao momento, respetivamente 2,7% e 2,4%.

Já em julho, o INE e o Eurostat revelaram estimativas preliminares mais modestas relativamente ao andamento do PIB no 2º trimestre em Portugal e na União Europeia (UE).

A estimativa rápida do INE mostra que a economia portuguesa prosseguiu em abrandamento pelo quinto trimestre seguido, com o crescimento homólogo do PIB a reduzir-se para 2,3% em termos reais (face a 2,5% no trimestre anterior), o que refletiu uma variação trimestral nula, após uma subida de 1,6% no trimestre anterior (dados corrigidos de sazonalidade e dias úteis).

Ainda não estão disponíveis dados quantificados das componentes de despesa, mas apenas uma análise qualitativa do INE, dando conta que:

- "O contributo positivo da procura externa líquida para a variação homóloga do PIB foi inferior ao do trimestre anterior, observando-se uma desaceleração das exportações de bens e serviços em volume mais acentuada que a das importações de bens e serviços";

- "O contributo positivo da procura interna para a variação homóloga do PIB aumentou, em comparação com o observado no trimestre precedente, verificando-se uma redução menos pronunciada do investimento, tendo o consumo privado registado um ligeiro abrandamento".

Na UE, o PIB registou uma progressão homóloga de apenas 0,5% no 2º trimestre, em termos reais, após 1,1% no trimestre anterior, com a Alemanha ainda em contração, embora ligeira (-0,1%).

Os dados demonstram de forma evidente os efeitos da política monetária cada vez mais restritiva do BCE no seu combate à inflação na Área Euro – penalizando tanto a procura externa como a procura interna de Portugal (abrandamento do consumo e investimento em queda, embora menos, o que poderá estar associado à execução do PRR) –, que persiste ainda significativamente acima do referencial de 2% no médio prazo.

Em julho, a inflação na Área Euro voltou a descer, mas de forma já pouco significativa, de 5,5% para 5,3%, pois o valor da inflação subjacente, que exclui energia e alimentos não processados, continua alto (6,6%). Destaca-se, em particular, o crescimento ainda muitíssimo elevado dos preços da alimentação, que se situou em 10,8% em julho, incluindo também álcool e tabaco.

O fim do acordo de cereais entre Rússia e Ucrânia, com mediação das Nações Unidas e Turquia, poderá acentuar os preços da alimentação e fazer prolongar no tempo a política restritiva, como reconheceu a Presidente do BCE, Christine Lagarde, esperando-se, por isso, que o abrandamento económico continue num futuro próximo, tanto na UE como em Portugal, pelo efeito da subida das taxas de juro.

Os valores de crescimento económico de Portugal ainda acima da média da UE prendem-se com a dinâmica ainda apreciável do turismo, que continua a ser bafejado pela nossa imagem de país bonito e seguro, longe do cenário de guerra.

Contudo, o abrandamento o turismo é claro desde o início do ano, como mostra a informação mais recente das dormidas de estrangeiros (variação homóloga de 8,7% em junho, quando em janeiro era de 100,3%), embora ainda contraste com a evolução das exportações de bens, que registam já quebras significativas (5,2% no 2º trimestre).

O dinheiro gerado pela atividade turística poderá também ajudar a explicar o abrandamento menos forte do que o esperado, pelo menos para já, do consumo privado que, segundo a apreciação qualitativa do INE, até terá registado uma aceleração em cadeia no 2º trimestre (pese embora o abrandamento homólogo).

As revisões em alta do crescimento económico de Portugal até há pouco tempo prendem-se, por isso, com a resiliência da atividade turística, mas como sabemos trata-se de uma atividade volátil, sujeita a oscilações súbitas de procura internacional. Por exemplo, o desejado fim da guerra na Ucrânia, embora pareça distante, poderá alterar o padrão de turismo que tem beneficiado Portugal.

Num balanco dos riscos de curto prazo para a atividade económica, nesta altura predominam claramente os riscos descendentes, sobretudo a forte desaceleração da economia da UE e o impacto da subida acumulada das taxas de juro na despesa das famílias e das empresas portuguesas, bem como a perspetiva de que o “pico da montanha” ainda não foi atingido e, quando for, estaremos perante um “planalto” de extensão desconhecida, conforme sinalizado pela Presidente do BCE, que afastou do horizonte de política previsível o momento de descida de taxas de juro.

Naturalmente, desenvolvimentos desfavoráveis da guerra na Ucrânia, de natureza imprevisível, poderão adensar os riscos para o crescimento económico e inflação, não estando também afastados riscos financeiros, embora os problemas bancários de há uns meses pareçam ter sido largamente controlados. Como risco ascendente, temos o impacto económico da Jornada Mundial da juventude, mas que apenas deverá atenuar ou inverter brevemente o abrandamento em curso da atividade turística.

Se admitirmos por hipótese que o PIB a preços constantes voltará a registar uma variação nula em cadeia no terceiro e no quarto trimestres, o crescimento económico será de 2,1% no conjunto do ano, bem longe das previsões de 2,7% do Banco de Portugal e 2,6% do FMI, que nesta altura poderão já ser otimistas.

De qualquer modo, a previsão de crescimento económico do Governo é ainda o valor de 1,8% inscrito no Programa de Estabilidade de abril e a inflação continua a empolar as receitas fiscais, pelo que a eventual revisão em baixa das perspetivas de crescimento para um valor mais perto de 2% não levanta problemas ao exercício orçamental deste ano. O problema é precisamente oposto, o de o Governo não devolver às famílias e empresas parte do excesso de receitas fiscais que está a ter devido ao efeito da inflação, o que aliviaria os problemas por que têm vindo a passar, em especial as famílias mais vulneráveis, esmagadas pela inflação e/ou pela subida das taxas de juro.

No entanto, um menor crescimento em 2023 poderá penalizar a dinâmica do PIB em 2024 e condicionar o Orçamento de Estado de 2024, em preparação, tendo a proposta orçamental de ser apresentada ao Parlamento até 10 de outubro. No Programa de Estabilidade de abril, o Governo projetou um crescimento económico de 2,0% em 2024, valor otimista a luz da previsão mais recente do FMI (1,8%), embora inferior à do Banco de Portugal (2,4%). Nesta altura, parece bem mais realista a projeção do FMI.