José Ferreira, OBEGEF
“… na criminalidade de colarinho branco, a estratégia principal dos advogados passa, quase sempre, por tentar evitar a eventual condenação do cliente tergiversando constantemente…”
Não é novidade para ninguém que a justiça portuguesa é considerada pelos portugueses em geral como lenta, direi mesmo muito lenta!
Temos decisões judiciais que demoram anos a serem tomadas, julgamentos que demoram anos a iniciar e depois anos a concluir, recursos judiciaisque demoram anos a decidir.
A culpa, dizemos todos em uníssono, é do aparelho burocrático que envolve, como um manto invisível, toda a estrutura judicial portuguesa.
A culpa, dizemos todos em uníssono, é da falta de meios técnicos e recursos humanos que permitam a tramitação atempada das causas da justiça.
A culpa, dizem alguns, é do excesso de diligências, recursos, de outras manigâncias e expedientes manhosos (perdoe-se a expressão), ainda que no escrupuloso cumprimento da lei, de que lançam mãos os advogados de defesa, na tentativa adiar, até ao limite da eventual e sempre almejada prescrição dos crimes, dos julgamentos, dos recursos.
A este propósito, ainda não há muito tempo, o Sr. Diretor Nacional da Polícia Judiciária, Dr. Luís Neves, acusou de “terrorismo judiciário” a atividade de alguns advogados que, em certos processos e megaprocessos, empatam (sim, a palavra é mesmo esta), com recursos sucessivos, o normal andamento dos processos.
Este tipo de ocorrências acontece em todos os processos? A resposta é, claramente, não.
Bem sabemos que nos chamados crimes violentos (homicídio e roubo, por exemplo), as decisões, os julgamentos e os recursos tendem a ser muito mais céleres, com decisões rápidas e assertivas, sem julgamentos nem recursos que se arrastam durante meses ou anos, tudo se resolvendo em tempo útil.
Por oposição, nos ditos crimes de colarinho branco (onde se incluem, naturalmente, os crimes cometidos por titulares de cargos políticos), as decisões sobre quem se pretende acusar e de que crimes são acusados demoram a sair e são antecedidas e sucedidas por discussões muitas vezes desprovidas de qualquer interesse para a causa sub judice, e cujo único objetivo é fazer arrastar o processo pelas salas dos Tribunais por tempo indefinido.
Nestes mesmos crimes, os tais ditos sem vítima, os julgamentos (quando acontecem) prolongam-se indefinidamente, com adiamentos sucessivos, com questiúnculas que apenas têm como objetivo entorpecer e empalear o Tribunal, impedindo dessa forma o normal dimanar dos procedimentos adequados.
A quem interessa a vigência e manutenção deste status quo? Não é, certamente, ao cidadão comum; e não é, certamente, a quem investiga nem a quem aplica a justiça nos Tribunais.
É, sim, ao criminoso de colarinho branco, que usa das suas influências e poder de lobbying junto do poder público e político para que se perpetuem as condições favoráveis ao seu modus vivendi, nomeadamente: a dificuldade de realização de eventuais investigações pelas autoridades competentes, as dificuldades de obtenção e recolha de prova (dificultando os meios de obtenção de prova), a dificuldade em o conseguir levar a julgamento, pelo uso excessivo e abusivo de algumas práticas previstas na lei e, finalmente, pelos mesmos motivos, a dificuldade em efetivar o julgamento e conseguir condenações.
Claro está que, na remota hipótese de haver julgamento, restam ainda os diferentes recursos, através dos quais se pode prolongar a vida útil do processo por mais uns anos, até que haja uma decisão final, conclusiva e irrecorrível transitada em julgado, e enquanto isso acontece, a vida e os negócios correm naturalmente.
Como bem se conclui, e a realidade nacional o vai demonstrando, na criminalidade de colarinho branco a estratégia principal dos advogados passa, quase sempre, por tentar evitar a eventual condenação do cliente tergiversando constantemente, fazendo uso excessivo de diferentes expedientes processuais (legais, diga-se), que mais não visam do que criar entropias no sistema, potenciando as probabilidades de se obterem algumas prescrições.
Este estado de coisas não serve a todos, serve apenas a alguns. Não serve à população em geral; não serve, certamente, a própria Justiça; e não serve, garantidamente, a democracia, a cuja realização plena obsta. Serve os corruptos, os que se prestam a servilismos, parafraseando o programa humorístico da RTP, aqueles que se julgam os DDT – Donos Disto Tudo.