Patrick de Pitta Simões, OBEGEF
Não seria expectável que o documento (legal) único, que engloba as sucessivas intervenções legislativas avulsas, se designasse por: Regime Geral de Prevenção da Corrupção e infrações Conexas (RGPCIC)? Será que o legislador atribui maior dignidade à prevenção à corrupção e por isso os outros crimes são “apenas” referidos como conexos a esta?
O XXII Governo Constitucional inscreveu no seu programa, entre os objetivos prioritários, o combate à corrupção e à fraude, ciente de que estes fenómenos atentam contra princípios fundamentais do Estado de Direito, enfraquecem a credibilidade dos cidadãos nas instituições, reduzem os níveis de investimento, debilitam as finanças do Estado, comprometem o desenvolvimento social e económico, dificultam o correto funcionamento da economia, fomentam a desigualdade e provocam a erosão dos pilares do Estado de Social.
De modo a congregar, num documento único, as sucessivas intervenções legislativas avulsas, identificou-se a necessidade de criar um Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC), envolvendo obrigações para os setores público e privado e estabelecendo consequências sancionatórias para o incumprimento, por forma a assegurar a efetividade da prevenção.
O RGPC veio a ser estabelecido em anexo ao Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que simultaneamente cria o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), recentemente instalado de forma definitiva, nos termos da Portaria n.º 155-B/2023, de 6 de junho.
Com o RGPC impõe-se às entidades privadas com 50 ou mais trabalhadores e às entidades públicas (para estas, independentemente da sua dimensão e natureza), a implementação de programas de cumprimento normativo, constituídos por instrumentos de gestão de integridade organizacional, entre os quais, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um código de ética e conduta, um programa de formação, um sistema de controlo interno e um canal de denúncias.
Para efeitos do RGPC, entende-se por corrupção e infrações conexas os crimes de corrupção, o recebimento e oferta indevidos de vantagem, peculato, participação económica em negócio, concussão, abuso de poder, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento ou fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, previstos no Código Penal, no Código de Justiça Militar, na Lei n.º 50/2007, de 31 de agosto, na sua redação atual, na Lei n.º 20/2008, de 21 de abril, na sua redação atual, e no Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, na sua redação atual[1].
Os canais de denúncias[2], disciplinados pelo Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI), estabelecido pela Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que transpões para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2019/1937 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro, relativa à proteção de pessoas que denunciem violações do direito da União; dão seguimento a denúncias de atos de corrupção e infrações conexas.
Relativamente ao sistema de controlo interno[3], realça-se que este visa, entre outras coisas, a prevenção e deteção de situações de ilegalidade, corrupção, fraude e erro.
Por sua vez, o PPR deve permitir a identificação, análise e classificação dos riscos e das situações que possam expor a entidade a atos de corrupção e infrações conexas; e as medidas preventivas e corretivas que permitam reduzir a probabilidade de ocorrência e o impacto dos riscos e situações identificados[4].
Por seu turno o código de ética e conduta, deve estabelecer o conjunto de princípios, valores e regras de atuação de todos os dirigentes e trabalhadores em matéria de ética profissional, tendo em consideração as normas penais referentes à corrupção e às infrações conexas e os riscos de exposição da entidade a estes crimes[5].
E por fim, os programas de formação devem permitir que dirigentes e trabalhadores conheçam e compreendam as políticas e procedimentos de prevenção da corrupção e infrações conexas implementados[6].
Não seria expectável que o documento (legal) único, que engloba as sucessivas intervenções legislativas avulsas, se designasse por: Regime Geral de Prevenção da Corrupção e infrações Conexas (RGPCIC)? Será que o legislador atribui maior dignidade à prevenção à corrupção e por isso os outros crimes são “apenas” referidos como conexos a esta?
[1] Nos termos do artigo 3.º do RGPC.
[2] Previstos pelo artigo 8.º do RGPC.
[3] Previsto pelo artigo 15.º do RGPC.
[4] Cfr. artigo 6.º do RGPC.
[5] Cfr. artigo 6.º do RGPC.
[6] Cfr. artigo 9.º do RGPC.