Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Já em crónicas anteriores apontei para a ilusão de alguns números recentes de conjuntura económica, quando vistos isoladamente, tendo mesmo levado o Presidente da República a falar de "alguma boa economia", mas que, infelizmente "ainda não tinha chegado às pessoas".
Não tenhamos ilusões, bons resultados de curto prazo, mesmo que cheguem às pessoas, serão efémeros se não houver uma mudança de políticas que melhore estruturalmente a nossa economia, para que beneficie de uma forma sustentada e consistente a vida das pessoas.
Puxemos a "fita" atrás e olhemos para um filme mais completo, ilustrado no gráfico, em vez das cenas mais recentes da "novela económica" contadas pelos políticos e repetidas pelos media até à exaustão, designadamente o desempenho irrepetível de crescimento económico em 2022 (empolado pela comparação com níveis baixos de atividade nos dois anos anteriores e pela forte retoma do turismo, beneficiado pela imagem de país seguro, longe da guerra) e a progressão também acima do previsto no 1º trimestre deste ano (também "puxada" pelo turismo), ambos superando a evolução média da União Europeia (UE), que não passa disso mesmo, uma média.
O crescimento do PIB, que mede a riqueza gerada num ano pela economia, dito de forma simples, pode ser divido entre a variação do PIB por empregado (ou produtividade por empregado) e a do emprego. Trata-se de um exercício básico de contabilidade do crescimento.
A ideia é simples, procurar aferir quanto do crescimento económico se deveu ao incremento do número de trabalhadores e quanto teve origem no acréscimo da sua produtividade, que depende de muitos fatores, como o investimento em capital físico, em inovação, em capital humano (educação e saúde) e na qualidade da gestão, bem como da redução dos custos de contexto, onde cabe um conjunto alargados de obstáculos à produtividade, com realce para a fiscalidade e a burocracia excessivas e a baixa qualidade das instituições em geral.
Em 2022, segundo dados do Eurostat, o PIB por empregado em paridades de poder de compra (ou seja, ajustando pela diferença de preços entre países), PPC, de Portugal situou-se em 74,7% da média da UE 27, que traduz a 24ª posição, ou seja, a 4ª pior no contexto europeu (ver gráfico).
Em 2019, antes da pandemia e da guerra, Portugal situava-se na 20ª posição na produtividade por empregado em PPC (a 8ª pior), em 76,4% da média da UE.
Estamos, portanto, significativamente piores ao nível da produtividade por empregado considerando o período agregado de 2019 a 2022 e não períodos parcelares (como um ano ou trimestre específicos), muito influenciados pelas oscilações provocadas pelas crises recentes.
Em termos de dinâmica, o gráfico mostra que esse retrocesso se deveu ao facto de Portugal ter registado nesse período a 4ª pior taxa de variação média anual (tvma) da produtividade por empregado (em PPC) na UE, abaixo da média europeia (0,6% e 0,8% em termos nominais, respetivamente), tendo o crescimento do emprego sido de 0,2% ao ano em ambos os casos, pelo que as tvma nominais do PIB (em PPC) foram cerca de 0,8% e 1,0%, respetivamente (basta somar as evoluções do emprego e da produtividade para ter uma boa aproximação).
As variações nominais significam simplesmente que incorporam o efeito da evolução dos preços.
A medição habitual do crescimento económico, a preços constantes (excluindo os efeitos preço, incluindo a correção PPC) mostra que o PIB de Portugal teve uma tvma de 0,2% entre 2019 e 2022 em termos reais, tal como a UE, mas que foi a 9ª mais baixa entre os Estados-membros.
Ou seja, também neste indicador mais usual de crescimento não há razões para celebrar o nosso desempenho relativo entre 2019 e 2022. O mesmo sucede no emprego, já que a subida já referida de 0,2% ao ano, igual à da média da UE, foi apenas a 17ª mais alta (a 11ª pior).
Retomando a análise da produtividade por empregado e olhando mais para trás, Portugal perdeu posições neste indicador nas duas primeiras décadas do milénio, sobretudo na segunda.
Com efeito, Portugal até se aproximou do padrão europeu de produtividade por empregado (em PPC) entre 1999 e 2009, passando de 76,2% para 79,8% da média da UE, mas perdeu uma posição, de 17º para 18º. Por outro lado, esta década caracterizou-se pela acumulação de fortes desequilíbrios na economia portuguesa, que acabaram por nos prejudicar mais à frente.
De facto, a década seguinte, marcada pela aplicação do Programa de Ajustamento da Troika de credores (2011-2014) - cujo apoio solicitado pelo governo de então evitou a bancarrota do Estado português -, foi bastante pior, provocando um retrocesso no indicador em análise de 79,8% da UE em 2009 para 76,4% em 2019, da 18ª para a 20ª posição.
Tal refletiu, em termos de dinâmica relativa, o aumento da produtividade por empregado (em PPC) acima da UE na década de 2000 (tvma de 3,4% face a 2,9%, em termos nominais) e o inverso na década seguinte (1,8% face a 2,3%).
Contudo, dado que o emprego não cresceu em Portugal nessas duas décadas - registando, em cada uma delas, a 7ª pior evolução na UE, onde a subida foi assinalável (tvma de 0,7% e 0,6%, respetivamente) -, a tvma do PIB em PPC de Portugal foi inferior à da UE nas duas décadas em termos nominais (cerca de 3,4% face 3,6% na primeira e cerca de 1,8% face a 2,9% na segunda).
Em termos reais (excluindo os efeitos preço), o crescimento médio anual do PIB de Portugal foi ainda mais dececionante na comparação com a média europeia, com valores de 0,9% na década de 2000 e de 0,8% na década de 2010, que compara com 1,5% e 1,6% na UE, respetivamente, traduzindo em ambas as décadas o 3º pior desempenho na União.
A conclusão é que, desde o início do milénio, os números de Portugal no crescimento económico e nas suas componentes emprego e produtividade por empregado foram muito dececionantes quando comparados com a evolução na média da UE e, sobretudo, nos países mais dinâmicos.
São números que vale a pena repetir até entrarem na cabeça do cidadão comum, para que não fiquemos, enquanto Sociedade, acomodados a desempenhos relativos medíocres, sobretudo atendendo ao montante elevado de fundos europeus que Portugal recebeu desde 1986, ano de entrada na então CEE (Comunidade Económica Europeia), continuando a ser ultrapassado em PIB por empregado e per capita por países que aderiram mais tarde e receberam muito menos fundos, o que nos coloca cada vez mais na cauda da europa em nível de vida e bem-estar.
Nos próximos anos vamos receber um montante anual ainda mais elevado de fundos, que (por vários motivos já referidos em crónicas anteriores) desta vez se afigura mesmo irrepetível, e infelizmente temo que os resultados voltem a ser dececionantes, porque, como terá dito Einstein, "não podemos continuar a fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes".