Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo
O episódio de um cartaz contendo uma caricatura de António Costa poderia ser aproveitado, não como arma de arremesso contra os professores e os seus sindicatos, que aliás já se demarcaram claramente do conteúdo do desenho, mas para debater quais os critérios que devemos usar para definir se um trabalho deste tipo deve ou não ser classificado de racista. Uma discussão deste tópico ajudaria certamente os órgãos de comunicação social a perceber melhor o tema e a fazer julgamentos críticos corretos e a não invocar a liberdade de expressão a torto e a direito.
Há caricaturas abertamente racistas que são fáceis de identificar, mas há outras mais subtis que muitas vezes servem de cobertura à difusão de ideias racistas. É neste território que a clareza de ideias é mais importante.
Como contributo para uma discussão darei a minha modesta opinião centrando-a em três ideias basilares: i) foco no grupo e não no individuo, ii) atribuição de características negativas ao grupo; iii) incitar à discriminação, ao ódio ou à violência contra o grupo alvo.
O foco no grupo existe sempre que se a caricatura se dirige a uma comunidade ou etnia, os judeus, os negros, os Indianos, etc. Mas também pode surgir de maneira mais subtil associando um individuo a um grupo racializado e representando-o de tal forma que já não é ele, como individuo, o caricaturado mas os traços característicos do grupo em que o querem integrar.
Integramos facilmente a caricatura de António Costa neste último caso. Temos um António Costa irreconhecível simultaneamente com os traços preconceituosos de uma pessoa de ascendência indiana bem visíveis. Trata-se de salientar essa pertença como forma de identificar a pessoa singular ao estereótipo negativo do grupo racializado. Temos, então, um primeiro indício que aponta para racismo.
Como caracteriza, positiva ou negativamente, o cartoonista o grupo em que integra António Costa. Um simples olhar e concluímos que lhe atribui características negativas. A atribuição de atributos negativos a um grupo pode ser feita de inúmeras maneiras sendo uma das mais conhecidas a da animalização, normalmente recorrendo a animais mais repulsivos, intelectualmente diminuídos ou sujos. Ora a caricatura animaliza o grupo caricaturado substituindo parte da face por um focinho de porco. Segundo indício aponta também para racismo. Neste ponto não parecem restar já muitas dúvidas.
Finalmente a incitação ao ódio e à violência sobre o grupo racializado é também uma marca frequente do racismo. Os lápis pontiagudos espetados nos olhos são um sinal claro de ódio. A quem furaríamos os olhos senão a quem odiamos? Temos, então, uma confirmação em forma. Esta caricatura é, sem margem para dúvidas ou discussões, racista.
Recapitulando, António Costa é explicitamente apresentado como membro de um grupo racializado. Essa ligação é tão forte e explicita que sem o contexto da manifestação nem saberíamos quem é o representado, mas facilmente o identificaríamos como uma pessoa indiana. Atribui-se ao grupo atributos negativos, através da desumanização e da animalização. E finalmente incita-se à violência contra o individuo por este pertencer ao grupo em que o integraram. Um processo clássico do racismo mais puro.
Uma caricatura racista está para além do admissível, viola a liberdade de expressão, deve ser considerada crime e os seus autores punidos.
A propagação do racismo viola a liberdade de expressão no seu âmago. O princípio basilar da Liberdade, qualquer que seja, incluindo a de expressão, é o de que a Liberdade de qualquer indivíduo cessa quando compromete a Liberdade e a segurança alheias.