Mário Tavares da Silva, Expresso online
Nesse devir e permanente atuação que o Conselho de Prevenção da Corrupção, resilientemente, soube levar a cabo ao longo de tantos e tantos anos, impõe-se destacar o papel central e absolutamente determinante que, na ausência de competências legais para emitir diretivas ou orientações vinculativas, as deliberações e recomendações aprovadas pelo CPC vieram a assumir
Com a instalação definitiva, ocorrida na passada semana, do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), cessou, simultaneamente, as suas funções, o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), entidade criada em 2008 junto do Tribunal de Contas e que, nos últimos 15 anos, nos deixa “escritas”, indubitavelmente, algumas das mais relevantes páginas e testemunhos, pessoais e documentais, no tratamento e prevenção do complexo e desafiante fenómeno da corrupção e infrações conexas, bem como das consequências que, naturalmente, o mesmo impacta na vida de todos e de cada um de nós.
Foram, repito, 15 anos de ação e de dedicação, competente e empenhada, por parte de todos os que por ele passaram e, bem assim, de todos aqueles que o CPC, de alguma forma, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, foi capaz, pela sua intervenção, de tocar, sensibilizar, alertar e, sobretudo, de inspirar para a adoção de comportamentos eticamente mais responsáveis e mais probos, quer na vida profissional quer na vida pessoal, indissociáveis que se apresentam estas duas dimensões no plano de vidas eticamente dignas de ser vividas.
Como certamente todos se recordarão, a criação do CPC teve, no seu ADN, o objetivo maior de desenvolver iniciativas que contribuíssem para a sensibilização dos cidadãos e das instituições para o complexo fenómeno da corrupção.
Assim, e combinando sabiamente uma estrutura simples e bem concebida, com um funcionamento ágil e muito eficaz, o CPC logrou sempre desempenhar as suas responsabilidades de forma orientada e planeada, aportando valor lá onde a sua intervenção o reclamava, com a particularidade, note-se, de que o muito que fez até ao último dia iluminará agora, estou certo, o muito que ainda terá de ser feito.
Para registo de memória futura, sempre importante quando se impõe a prestação de contas das organizações que nos servem, é naturalmente justo não só reconhecer todo o trabalho feito pelo CPC, que tive aliás o privilégio de servir, ainda que por um curto mas importante período de tempo, como relembrar a sua extraordinária e reformadora atividade, traduzida, por exemplo, na realização de mais de 150 reuniões plenárias ordinárias, no âmbito das quais terão sido decididos, realizados e acompanhados múltiplos e relevantes projetos, fundamentalmente associados aos dois grandes vetores de intervenção a que o CPC, desde sempre, se dedicou.
Por um lado, a prevenção da corrupção em sentido estrito, ou seja, direcionada ao âmbito da gestão pública, aqui se incluindo as diversas medidas propostas e recomendadas relativamente a instrumentos de mapeamento e de prevenção de riscos de fraude, corrupção e infrações conexas, incluindo a componente de acompanhamento da execução das recomendações e avaliações apresentadas, nesse âmbito, por organismos internacionais, a Portugal.
Neste particular, e a título de exemplo, trazemos à memória as inúmeras visitas pedagógicas (mais de 90 visitas que envolveram contato direto com aproximadamente 9000 dirigentes e técnicos da Administração Pública), a audição de mais de 90 personalidades, a produção de relevantes estudos e de documentos orientadores e de apoio às entidades nos processos de gestão de risco (inter alia, refira-se o estudo realizado em 2015 sobre como “Prevenir a corrupção no setor público - uma experiência de 5 anos” ou ainda um outro, produzido em 2018, intitulado “Prevenção da corrupção na gestão pública - mapeamento de áreas e fatores de risco”), a colaboração em múltiplas ações de formação e de sensibilização, a organização de variadíssimos seminários e conferências sobre as mais diversas temáticas ligadas à prevenção da corrupção, de que se destaca, por exemplo, a Conferência “Estado, Administração Pública e Prevenção da Corrupção” realizada em 2011 e, por fim, o rigoroso exame e o regular tratamento dos dados contidos em comunicações remetidas por autoridades judiciárias e de auditoria.
Por outro lado, e não desligado da primeira, a vertente da prevenção da corrupção em sentido lato, ou seja, no âmbito da denominada “educação para a cidadania”, de aprofundamento da consciência cívica sobre a importância e necessidade da ética e da integridade na vida pública, através da dinamização formativa e educativa, trabalhando, em especial, com as gerações mais novas no âmbito do sistema formal de ensino, com a rede de escolas do ensino básico e secundário e com as universidades.
Neste plano da educação e da ciência como instrumento de prevenção da corrupção, lembraria aqui alguns números que falam por si. Assim, em nove anos de intervenção, os projetos educativos do CPC envolveram cerca de 1300 escolas, públicas e privadas, e perto de 40000 crianças e jovens, além das comunidades envolventes. Ainda no plano da educação e ciência, recorde-se o contributo dado pelos concursos que o CPC, com o apoio direto do Tribunal de Contas e do Plano Nacional de Leitura, soube ir promovendo e dinamizando, tais como “Imagens contra a corrupção” ou “Jogo Limpo contra a Corrupção”, este último no quadro de uma parceria estabelecida em 2019 entre o CPC e o Comité Olímpico de Portugal (COP).
Outras importantes iniciativas poderiam aqui ser destacadas como o projeto “Mais vale prevenir”, envolvendo perto de 3000 alunos de uma centena de escolas espalhadas pelo país e que vieram, nesse contexto, a receber o selo “Escola Ética”, desse modo se reconhecendo o envolvimento dessas comunidades educativas com a prevenção da fraude e da corrupção e a educação cívica dos respetivos alunos.
Nesse devir e permanente atuação que o CPC, resilientemente, soube levar a cabo ao longo de tantos e tantos anos, e sobretudo com o fito de garantir uma eficaz concretização de todos esses ambiciosos projetos, impõe-se destacar, no plano da dinamização de todos eles, o papel central e absolutamente determinante que, na ausência de competências legais para emitir diretivas ou orientações vinculativas, as deliberações e recomendações aprovadas pelo CPC vieram a assumir, convolando-se num robusto e eficaz soft law, capaz de exortar positivamente todos os stakeholders e procurando, a final, envolvê-los e sensibilizá-los para a enorme relevância das deliberações tomadas e para a necessidade e responsabilidade de acatar, de forma efetiva e eficaz, as recomendações então formuladas.
É tempo, por conseguinte, de olhar em frente e continuar o extraordinário trabalho que o CPC iniciou, não perdendo nunca de vista o magnífico e valioso espólio que, para memória futura, o seu sítio na Internet continuará a oferecer.
Caros leitores, aqui chegados e mais importante do que lembrar, justamente note-se, o que o CPC fez ao longo de todos os anos, é certamente perceber o quanto ainda falta fazer.
E tanto que ainda há para fazer.
Haja agora essa visão e vontade de continuar a escrever mais algumas páginas desse magnífico livro que outros ousaram iniciar e isso, estou certo, será certamente o maior reconhecimento que todos, sem exceção, podemos fazer ao relevante legado que agora nos é deixado e, bem assim, a todos os que nele deixaram indelevelmente a sua marca.