Óscar Afonso, Jornal i online
A conjuntura de investimento continuará muito complicada (tanto ao nível da procura interna como da procura externa)
Informação recente do INE na ótica do comércio internacional dá conta que as exportações nacionais de mercadorias estão em abrandamento acelerado em valor e as quantidades já caem com alguma expressão. Apenas o crescimento do preço unitário (por kg) está a evitar que as exportações caiam também em valor, mas o ritmo de subida é cada vez menor, a refletir a redução da inflação a um nível global.
Segundo dados do comércio internacional do INE, o valor das exportações de mercadorias reduziu-se 3,6%, em termos homólogos, no mês de abril (ver gráfico – ótica do comércio internacional), mas essa evolução foi influenciada por um menor número de dias úteis face ao mês homólogo de 2022 (19 e 20 dias úteis, respetivamente), como assinalado pelo INE.
As variações das exportações em abril corrigidas pelos dias úteis foram de 1,4% em valor, -4,5% em quantidade e 6,2% no preço unitário, comparando com as variações de 13,1%, -0,7% e 13,9% no 1º trimestre, respetivamente (variações não corrigidas, neste caso, por simplificação e porque com mais meses as diferenças homólogas de dias úteis anulam-se ou diluem-se).
No acumulado de janeiro a abril, as variações homólogas (não corrigidas de dias úteis) foram de 8,9% em valor, -2,9% em quantidade e 12,1% no preço unitário.
É sabido que o investimento é impulsionado pelas perspetivas de procura, externa e interna.
Ora o dinamismo das exportações de bens está em clara perda, como evidenciado acima, esperando-se que o mesmo se venha a verificar gradualmente com as exportações de turismo (serviços), pois a perda de poder de compra pela inflação afeta também os turistas.
Essa perda de dinamismo reflete o menor vigor do principal destino das nossas exportações (de bens e de serviços), a UE, cujo PIB teve um crescimento homólogo de apenas 1,2% no 1º trimestre, em ternos reais, com a Alemanha a apresentar mesmo uma queda de 0,5% do PIB e a França a progredir somente 0,8% nesse indicador, como mostram os dados do Eurostat.
Não se espera, por isso, que seja a procura externa a “puxar” proximamente pelo investimento.
Quanto à procura interna, a principal componente, o consumo privado, tem vindo a abrandar devido à perda de poder de compra e à subida das taxas de juro. No primeiro trimestre, o crescimento homólogo desta rubrica reduziu-se de 2,8% para 1,8%, em termos reais (dados das contas nacionais).
Já em abril, o volume de negócios no comércio a retalho (uma boa medida do consumo privado) registou uma queda em cadeia de 1,4%, também em volume (dados corrigidos de dias úteis e de sazonalidade) – a variação mensal torna-se mais informativa neste caso porque a variação homóloga de abril é bastante empolada pelo efeito base de redução dos níveis de consumo em igual mês de 2022, na sequência da guerra na Ucrânia (iniciada em fevereiro desse ano).
Já se está a ver que, com as taxas de juro ainda a subir, e apesar da redução da taxa de inflação em Portugal nos últimos meses, o consumo vai continuar enfraquecido num futuro próximo.
É neste contexto que se deve olhar para a queda homóloga em volume de 6,1% do investimento (FBC) no 1º trimestre, após uma subida de 1,0% no trimestre anterior (dados das contas nacionais).
Trata-se da descida mais acentuada desde o 3º trimestre de 2020, para a qual contribuiu uma fortíssima contração de stocks (de produtos acabados) e a queda ligeira da FBCF.
A FBCF registou uma taxa de variação homóloga real, tvhr, de -0,1%, que traduz o primeiro recuo desde o 2º trimestre de 2020, com origem na componente da construção (tvhr de -6,5%: -9,5% na habitação e -5,0% no segmento remanescente), que teve a queda mais forte desde 2014, contrariando as subidas nas demais componentes, sobretudo as tvhr de 22,2% no equipamento de transporte e 4,1% nas outras máquinas e equipamento, desempenhos associados, em boa medida, à progressão ainda assinalável das exportações de bens nesse trimestre, que registaram uma tvhr de 6,3% em volume na ótica das contas nacionais, também evidenciada no gráfico.
Impõe-se, aqui, uma nota técnica sobre as exportações na ótica das contas nacionais (OCN) e na ótica do comércio internacional (OCI), para se perceber o gráfico. As variações homólogas em valor são próximas nas duas óticas (13,0% e 13,1% no 1º trimestre, respetivamente, após 25,5% e 22,9% em 2022), pois a principal diferença é a inclusão, na OCN, do consumo final de famílias não residentes no território económico, ou seja, os bens consumidos pelos turistas estrangeiros em Portugal, sendo esta componente relativamente pequena face ao conjunto das exportações (ainda assim, em 2022, ano em que o turismo teve um dos melhores anos, houve uma diferença de algumas décimas na variação em valor entre as duas óticas: 25,5% na OCN e 22,9% na OCI).
A maior diferença entre as óticas ocorre na repartição dessa variação em valor.
Enquanto a variação homóloga em valor de 13,0% das exportações na OCN no 1º trimestre se decompôs entre variações em volume (preços constantes) e no deflator (componente preço) de 6,3%, nos dois casos, na OCI a subida de 13,1% em valor resultou de uma redução de 0,7% na quantidade exportada (kg) e um crescimento de 13,9% no preço unitário (por kg), como referido.
A diferença acontece devido a diferenças de metodologia, sobretudo porque a subida homóloga em volume na OCN tem em conta a melhoria qualitativa dos bens (o que, visto noutra perspetiva, reduz a variação do deflator), sendo por isso superior à simples variação homóloga das quantidades exportadas na ótica CI, que não deixa também de ser informativa.
Após esta nota técnica, de notar que os dados mensais mais recentes do indicador de FBCF do INE mostram uma forte perda de dinamismo das componentes de material de transporte e de máquinas e equipamentos, coerente com o abrandamento das exportações de bens.
Finalmente, os dados do crédito, crucial para suportar o investimento, com ou sem cofinanciamento comunitário, confirmam o pessimismo quanto à evolução próxima do investimento.
O stock de empréstimos das Instituições Financeiras Monetárias (IFM) às Sociedades não financeiras mostrou uma evolução mais negativa em abril (taxa de variação anual, tva, de -1,6%, após -1,0% em março e 0,1% em dezembro; dados corrigidos de operações de titularização), que evidencia bem o impacto da subida das taxas de juro.
Pior ainda é a evolução dos empréstimos das IFM às empresas exportadoras privadas, com a tva a situar-se em -5,0% em abril, após -3,3% em abril e -0,4% em dezembro (dados não corrigidos).
Estes dados mostram que a conjuntura de investimento continuará muito complicada (tanto ao nível da procura interna como da procura externa), mesmo sem contar com os riscos de envolvente externa (nomeadamente os relacionados com a guerra, os mercados financeiros e os da energia) ou mesmo a nível interno.
Tal complica muito a entrada em modo cruzeiro da execução do elevado montante de fluxos europeus disponíveis nos próximos anos, os dos Plano de Recuperação e Resiliência, com uma janela temporal mais curta (até 2026), e os do Portugal 2030, que está ainda no início.