Daniel Espínola, Jornal i online
Discutirmos o conceito de integridade não envolve somente nos debruçarmos sobre termos técnicos, mas também abrange como iremos propor instrumentos e de que forma eles poderão ser promovidos pelos governos, aplicados pelas organizações e refletidos nos comportamentos dos indivíduos
Dentre os princípios que caracterizam a administração pública, a moralidade é um dos mais destacados, especialmente pelos meios de comunicação. Lamentavelmente, a ênfase - na maior parte das vezes - ocorre por meio de notícias de crimes e escândalos envolvendo o serviço público, com repercussões negativas sobre a confiança nos governos e suas instituições.
A integridade é um conceito que vem sendo associado ao princípio da moralidade e adotado pelos países com maior evidência desde de 2017, quando a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou a Recomendação sobre Integridade Pública. Neste documento, a OCDE define integridade como o “alinhamento consistente e a adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público”.
Certamente esta definição é ampla e pode abarcar várias interpretações e formas de implementação. A OCDE sugere alguns caminhos, como a criação de um sistema de integridade coerente e abrangente, a promoção de uma cultura de integridade pública, assim como ações de prestação de contas, de gestão de riscos e de participação social.
Nos últimos anos, o governo brasileiro tem implementado essas orientações, fomentando a adoção de Programas de Integridade na administração pública federal. Em sentido semelhante, Portugal promove desde 2009 Planos de Prevenção à Corrupção e Ações Conexas pelos órgãos dirigentes das entidades gestoras de dinheiros, valores ou patrimônios públicos, em ação capitaneada pelo Conselho de Prevenção à Corrupção. Tais iniciativas são, de modo geral, diretrizes para as organizações identificarem riscos à corrupção e fraude e implementarem as respectivas ações de prevenção, detecção e remediação.
Mas afinal, qual o sentido da integridade pública nos dias de hoje? A promoção de preceitos éticos, da transparência e do combate à fraude e à corrupção são somente uma faceta de algo que pode ser visto de forma muito mais ampla. Discutirmos o conceito de integridade não envolve somente nos debruçarmos sobre termos técnicos, mas também abrange como iremos propor instrumentos e de que forma eles poderão ser promovidos pelos governos, aplicados pelas organizações e refletidos nos comportamentos dos indivíduos.
Uma análise contemporânea do fenômeno da corrupção reforça a necessidade de difundirmos mecanismos e instrumentos que se alinhem com os desafios atuais das sociedades. As complexidades de ambientes políticos que flertam com ideologias extremistas, a premência da pauta ambiental e a preocupação com a saúde mental dos indivíduos após a pandemia de Covid-19, apontam a necessidade de avançarmos em outras nuances da integridade para compreendermos as origens da fraude e da corrupção. Afinal, contextos e ambientes nocivos à boa convivência, onde se prolifera uma cultura repressiva, pouco transparente, tolerante a atos de racismo, machismo, assédio moral e sexual, são também campos férteis para atos de corrupção.
Nesse sentido, seria oportuno que as discussões sobre integridade hoje trouxessem à luz reflexões sobre democracia e seus princípios, tais como a equidade, a sustentabilidade e o respeito às diversidades, em busca de evoluir o conceito para que os programas de prevenção à corrupção aprofundem na promoção da confiança pública e do bem-estar nas organizações.
Avançarmos para um conceito mais amplo de integridade, buscando incorporar novos olhares e instrumentos, sem dúvida, é um caminho promissor para a adesão de novos valores e para o aumento da confiança no setor público.