Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo
Para percebermos o que se passa em Portugal, para entendermos a sociedade portuguesa é preciso consultar os estudos internacionais sem caímos frequentemente em erro. Entre nós, a realidade apesar de verdadeiramente desconhecida é apresentada sob as cores mais inventivamente agradáveis e brilhantes. É aterrador pensar como podem os responsáveis políticos pilotar o país sem as estatísticas, sem os estudos, sem os dados indispensáveis à sua atuação. Limitar-se-ão a ceder aos principais interesses instalados? Seguirão cegamente o que é imposto de fora, pela União Europeia e outras instâncias do poder mundial?
Quando a comunidade Negra reclamou uma pergunta nos censos de 2021 para que se percebesse melhor a sua situação e, consequentemente, se pudessem desenhar olíticas adequadas, a resposta foi um não rotundo. Os responsáveis políticos preferem não conhecer a realidade para depois a inventar à medida dos seus desígnios.
Vem tudo isto a propósito da recente publicação de estatísticas pelo Eurostat sobre acidentes de trabalho (ver aqui). Se perguntássemos às instituições patronais a questão nem se põe, os nossos locais de trabalho são muito seguros, um caso de estudo internacional. Se perguntarmos ao governo dirão que a nossa legislação é da mais avançada do planeta e que já vários parceiros europeus nos elogiaram pelo nosso progresso e humanidade.
No entanto quando olhamos para as estatísticas publicada pelo Eurostat, também conhecidas nos outros países, a realidade é completamente diferente. Portugal lidera destacado o ranking da taxa de incidência padronizada de acidentes de trabalho não mortais em
2020. Ou seja somos o pior da União Europeia. Não é já a cauda, é a ponta da cauda. Ou seja as condições de trabalho em Portugal são as mais perigosas da Europa. Destes acidentes resultam pessoas paralisadas, pessoas sem mãos, sem pernas e com muitas outras mazelas. Que respeito pelas pessoas que trabalham representa esta estatística? Que políticas existem para inverter esta lamentável situação?
Como nota deixamos aqui a importante indicação de que comparação internacional padronizada leva em conta por um lado os diferentes riscos industriais e, por outro, as diferentes composições industriais do emprego em cada país. Existem outras estatísticas mas as padronizadas permitem uma melhor comparação entre países com realidades industriais diferentes.
Todos os anos morrem dezenas de pessoas em acidentes de trabalho no nosso país, uma realidade arredada da grande comunicação social, mas intensamente sofrida pelas classes trabalhadoras. Relativamente a acidentes mortais Portugal encontra-se num desonroso 22º lugar na Europa, em termos de taxa padronizada de acidentes de trabalho mortais, só à frente da Roménia, Malta, Bulgária e Chipre. Mas que faz o governo? Que fazem as empresas? Que política para preservar a vida de quem trabalha?
Enquanto se discute o magno problema de se Galamba devia ter chamado primeiro a PSP, a GNR ou a PJ o governo rejeitou as propostas da oposição de esquerda de adoção de medidas para defesa da saúde e da vida dos trabalhadores. Eis a política ao contrário. O debate resume-se ao supérfluo deixando de lado os temas verdadeiramente impactantes na vida dos portugueses e na imagem de degradação de Portugal na Europa e no mundo.
Que respeito internacional grangeia um país incapaz de impor regras que defendam a saúde e a vida dos seus trabalhadores? Que respeito grangeia um país que não respeita os próprios habitantes? Que investimento atraí um país assim? Que nos diz sermos os piores da Europa? Ocuparmos a ponta da cauda? Que orgulho retiram disto as nossas elites?
É preciso focar nos temas importantes, abandonar a espuma dos dias e alterar a realidade do nosso país retirando-o do penoso declínio em que se encontra. A proteção das vidas dos portugueses deve ser um tema prioritário.