Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Recentemente, o INE revelou uma melhoria nos dados da atividade económica e dos preços.

Apesar de favorável, essa evolução deve ser vista como conjuntural e, por isso mesmo, não é útil que entre como fator decisivo numa altura de grande instabilidade a nível político, que deve ser debelada para que não prejudique o normal funcionamento da sociedade e da economia no período mais alargado da legislatura.

Nesse sentido, o Presidente da República esteve bem ao dizer "pode haver alguma boa economia e isso não ser suficiente para haver boa política", mas é preciso relativizar e enquadrar os recentes dados económicos de forma mais substanciada para que mereçam apenas a importância devida aos olhos da opinião pública, é esse o contributo deste artigo.

Na altura de redação deste artigo, a situação política estava já mais degradada, pois a rejeição pelo Primeiro-Ministro do pedido de demissão do Ministro das Infraestruturas, João Galamba (que seria a segunda demissão do Ministro dessa pasta), gerou discordância do Presidente da República, que terá agora de tomar decisões difíceis para debelar a instabilidade política.

Três cenários estão em cima da mesa nesta altura: (i) Não fazer nada para já e esperar que a continuação da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP traga a lume novas revelações e leve o Primeiro-Ministro a uma remodelação ministerial (ou mesmo à sua demissão), o que não é garantido, ou dê ainda mais força e sustentação à escolha de uma das duas opções seguintes; (ii) Demitir o Governo para que o Primeiro-Ministro forme um novo elenco governativo; (iii) Dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas.

Vejamos então as razões pelas quais a recente melhoria dos dados económicos deve ser vista como "uma gota no oceano" e não influenciar de forma relevante as decisões do Presidente da República e do próprio Primeiro-Ministro, nem as intenções de voto dos cidadãos eleitores.

Comecemos pelos números da evolução do PIB, que mede o andamento da atividade económica. A estimativa rápida do INE (sujeita a revisão) mostrou um crescimento real em cadeia de 1,6%, que foi o mais alto da UE (dados do Eurostat), como enfatizaram as notícias, mas em muitos casos esqueceram-se de mencionar que, para já, apenas há 12 países com dados disponíveis, menos de metade do total, pelo que a comparação é muito incompleta e preliminar.

Por outro lado, o crescimento homólogo de 2,5% do PIB (o terceiro maior em 12 países da UE com dados), em termos reais, não deixa de traduzir um abrandamento face ao trimestre anterior (3,2%) e ao conjunto de 2022 (6,7%). Conforme assinalado em crónicas anteriores, a atividade económica em Portugal tem refletido a retoma mais acelerada do que antecipado do turismo, beneficiando da imagem de país seguro e longe da guerra, bem como a continuação da realização de despesa adiada durante a pandemia usando as poupanças guardadas nessa altura.

A importância desses fatores irá desvanecer-se de forma gradual, pois há alguma inércia.

Em termos de componentes do PIB, a estimativa rápida do INE para já apenas permite destacar, de forma qualitativa (os dados quantificados serão disponibilizados só daqui a algum tempo), que a redução do crescimento homólogo do PIB resultou da "desaceleração do consumo privado e da redução do investimento, determinada por um contributo negativo da variação de existências", e só não foi superior devido à "aceleração das exportações de bens e serviços e abrandamento das importações de bens e serviços".

Ao nível do consumo, os dados deflacionados das vendas a retalho no primeiro trimestre (já disponíveis) mostram uma nova queda homóloga das despesas com "alimentação, bebidas e tabaco", bem como um abrandamento das outras despesas exceto combustível, sendo claro o impacto negativo da perda de poder de compra e da subida das taxas de juro.

Ao nível do investimento, a execução do PRR está atrasada ao nível dos pagamentos (apenas 10%) e a do PT 2030 ainda "quase não mexe", já para não falar do dinheiro por executar do PT 2020, sendo este o último ano. Quem olhar para os fracos dados do investimento e a tendência negativa no trimestre apontada pelo INE não diria que há tanto dinheiro disponível para investir.

Acresce que o abrandamento homólogo do PIB no trimestre é compatível com as perspetivas de perda de dinamismo da economia em 2023 das principais entidades que fazem previsões, para valores de crescimento entre 1,0% (FMI) e 1,8% (Governo e Banco de Portugal), devido à desaceleração da procura interna e externa. A subida do PIB acima do esperado no primeiro trimestre apenas faz esperar uma evolução no conjunto do ano mais próxima do limiar superior das previsões, mas nada nos garante que o movimento de desaceleração não se intensifique de forma mais marcada nos próximos trimestres, dada a incerteza no exterior e mesmo a nível interno, em consequência da instabilidade política. É por isso que o fenómeno do crescimento económico deve ser analisado em períodos mais longos, para alisar flutuações conjunturais.

A realidade é que a tendência de crescimento económico de Portugal desde o início do milénio é muito fraca (apenas 0,9% ao ano neste milénio, entre 1999 e 2022, pouco mais de metade do registado no conjunto da UE) e a dinâmica de 2023 a 2027 também será relativamente baixa no contexto europeu, a julgar pelas recentes previsões do FMI (1,7% ao ano, o décimo valor mais baixo entre os países da UE), conforme referido na crónica anterior.

É esta tendência de fraco crescimento económico passado e futuro, em termos relativos, por insuficiência de reformas, que deve estar na mente dos cidadãos eleitores na altura de votar, pois é o que determina o nosso baixo nível de vida, a incapacidade das empresas e do Estado em pagar melhores salários e, assim, a emigração de muitos dos nossos jovens mais talentosos.

Quanto à evolução dos preços, a inflação homóloga medida pelo Índice de Preços no Consumidor (IPC) - representativo da despesa das famílias residentes - reduziu-se de 7,4% para 5,7% em abril, mas tal traduziu, sobretudo, a desaceleração dos preços da eletricidade, do gás e dos produtos alimentares, devido a um efeito de base. De facto, o indicador de inflação subjacente (índice total excluindo produtos alimentares não transformados e energéticos) reduziu-se de forma muito mais moderada do que o índice geral, de 7,0% para 6,6%. O INE destaca que "a grande maioria dos preços considerados no (...) IPC de abril foram recolhidos antes da entrada em vigor da isenção de IVA num conjunto de bens alimentares essenciais, pelo que os eventuais efeitos desta medida só terão efetivamente impacto no IPC em maio".

Contudo, não é de esperar que a medida tenha um impacto significativo na redução da inflação, como o próprio Governador do Banco de Portugal tem apontado, tendo de ser isolada da tendência de descida que já se observa para se aferir a influência isolada.

Face ao resto da Europa, a situação favorável de Portugal na inflação (a refletir o maior peso relativo de energias renováveis e a menor dependência do gás natural, incluindo na produção de eletricidade, que foi reforçada pela adoção do dito "Mecanismo Ibérico") já quase desapareceu. Usando agora o Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC), os dados do Eurostat para abril mostram, para Portugal, uma descida de 8,0% para 6,9%, valor quase em linha com o registado na Área Euro e o décimo em 20 países com informação (precisamente os da Área Euro). Em março, o valor de 8,0% em Portugal foi o 15.º mais alto em 27 países da UE, onde o nível foi já pouco superior (8,3%). Mais importante, esse diferencial de 0,3 pontos de inflação abaixo da UE, favorável a Portugal, foi o mais reduzido desde o início da guerra, comparando com um máximo de 2,3 p.p. em março de 2022 (5,5% em Portugal e 7,8% na UE).

De notar que o IHPC é representativo da despesa das famílias no território, incluindo a despesa de não residentes (turistas), que não é considerada no IPC. Assim, a diferença entre a inflação homóloga de 5,7% do IPC e de 6,9% do IHC em abril deve-se, sobretudo, ao crescimento relativamente mais forte dos preços na despesa realizada pelos turistas. Se é verdade que tal significa mais dinheiro deixado pelos turistas em Portugal, o que é positivo, nesta altura essa procura também contribui para o fenómeno geral da inflação, esperando-se que abrande dado que o fenómeno de perda de poder de compra penaliza também os turistas.

A análise acima demonstra que os recentes dados favoráveis de atividade e preços, de natureza conjuntural, não devem influenciar de forma muito relevante as perspetivas e as decisões dos agentes políticos face a um quadro geral do País que, infelizmente, é negativo em termos estruturais, com realce para o baixo desempenho no crescimento económico, instrumental para a melhoria do nível de vida e o financiamento do investimento público em educação, saúde e inovação, entre outras áreas cruciais para o desenvolvimento económico sustentado.