Mário Tavares da Silva, Expresso online
É relevante comunicar bem o que é a corrupção e, sobretudo, o que deve ser feito para que ela não ocorra. Nesta medida, é vital dispor de um bom ecossistema de normas éticas, de integridade e de transparência que, note-se, deve não apenas existir como, sobretudo, ser conhecido, partilhado e, sempre que necessário, revisitado e ajustado a uma criatividade corruptiva que, invariavelmente, tenderá a estar sempre um passo mais à frente
Quarta-feira, 3 de maio de 2023. Registem, por favor, nas vossas agendas.
Trata-se, seguramente, de uma data relevante, assinalando um passo em frente no combate à corrupção. A Comissão Europeia segue determinada, tomando importantes e decisivas medidas destinadas a combater a corrupção na UE e lá onde ela possa existir, assim respondendo ao compromisso assumido pela Presidente von der Leyen no seu discurso sobre o Estado da União de 2022.
Depois do escândalo de corrupção com que o Parlamento Europeu se viu subitamente confrontado e cuja investigação ainda prossegue, devemos todos ter motivos adicionais e ainda de maior preocupação com o crescimento e capacidade de penetração desse fenómeno em instituições que deveriam, sobretudo, pela relevância que assumem no projeto europeu, constituir modelos e referenciais de boas práticas para todos nós.
O Ministério Público Federal belga refere, no caso, "grandes somas de dinheiro" e "presentes substanciais" pagos por um país do Golfo Pérsico (que tem sido apontado na imprensa como sendo o Qatar), com o objetivo de influenciar o curso e sentido decisórios no quadro das políticas da União Europeia.
Eva Kaili é, como se sabe, um dos nomes que está na boca de todos em Bruxelas. A eurodeputada grega foi considerada, até à sua detenção a 9 de dezembro, uma verdadeira estrela em ascensão, tendo sido eleita, pela primeira vez, para o Parlamento Europeu, em 2014 e reeleita em 2019.
O tsunami provocado por esta detenção e tudo o que a isso está associado, traz o melhor e o pior das instituições, evidenciando que por muitas controlos e procedimentos que possamos instituir, a corrupção é como a água e segue sempre, para nosso mal, o seu caminho.
Nesse sentido, as propostas que a Comissão Europeia decidiu apresentar no passado dia 3 para tornar ainda mais robusta a muralha anticorrupção, são não só bem-vindas como devem agora prosseguir, rapidamente, o seu caminho.
A intensificação da ação da Comissão com recurso a medidas em vigor, procurará, assim se espera, criar condições para que se proceda a uma integração, há muito ambicionada, da prevenção da corrupção na própria conceção das políticas e dos programas da União, ao mesmo tempo que estimulará os decisores políticos dos diversos Estados-Membros a desenvolver políticas e a aprovar legislação anticorrupção mais orientada e mais sólida para enfrentar uma cada vez mais sofisticada e crescente criatividade criminosa.
O pacote apresentado pela Comissão traz, também, novas e reforçadas regras no âmbito da criminalização da corrupção, procedendo a uma relevante e desejável harmonização de sanções no grande palco da União.
É importante recentrar, coletivamente, os nossos esforços em adequadas estratégias de prevenção da corrupção, deslocalizando o foco da repressão para a adoção, ex ante, de planos e medidas de natureza preventiva.
Sobre este ponto, não tenhamos dúvidas. Mais importante do que criar quadros sancionatórios capazes de desencorajar eficazmente todos os que se sintam tentados, ainda que por breves momentos, a pisar a “linha vermelha”, é vital criar procedimentos e adotar medidas que, partindo de um rigoroso exercício de identificação e mapeamento de riscos, possa verdadeiramente antecipar e mitigar o risco dessa linha vermelha ser efetivamente pisada. Neste plano, importa fomentar e disseminar através de toda a organização, pública e privada, uma efetiva cultura de integridade, assumindo uma política de tolerância zero para com quaisquer atuações de natureza corruptiva e reforçando, em concomitância, a efetividade na utilização de todos os instrumentos legalmente disponíveis.
Nas importantes medidas que integram este ambicioso pacote anticorrupção e no quadro mais alargado de uma estratégia integrada de luta contra esse fenómeno, a comunicação e partilha de informação assumem igualmente um papel de elevada criticidade, apelando a lógicas de trabalho em rede em todo o espaço da União Europeia e, ainda, desta com o resto do mundo. Também aqui, temos de conseguir dar um passo em frente, libertando-nos de uma provinciana e desatualizada visão da corrupção como um problema de natureza exclusivamente doméstica.
A natureza transnacional dos fenómenos corruptivos exige e reclama uma estratégia além-fronteiras ou, se se preferir, uma visão holística e sistémica de todos os elementos de risco identificados nas complexas e intrincadas teias internacionais, sob pena de somente termos uma parte da fotografia.
Neste enquadramento, a Comissão propõe-se identificar quais aqueles que emergem como os riscos comuns e de maior criticidade em toda a União Europeia, incluindo, desde logo e em primeira linha, o funcionamento das suas próprias instituições.
É relevante comunicar bem o que é a corrupção e, sobretudo, o que deve ser feito para que ela não ocorra. Nesta medida, é vital dispor de um bom ecossistema de normas éticas, de integridade e de transparência que, note-se, deve não apenas existir como, sobretudo, ser conhecido, partilhado e, sempre que necessário, revisitado e ajustado a uma criatividade corruptiva que, invariavelmente, tenderá a estar sempre um passo mais à frente.
Este importante movimento legiferante da Comissão traz também consigo preocupações de sensibilização para uma adequada e esclarecida compreensão do fenómeno da corrupção, seja criando incentivos à realização de campanhas de informação e de partilha de boas práticas, seja por via de programas educativos orientados à mitigação efetiva de riscos de ocorrência de práticas corruptivas.
Desempenha aqui especial importância o setor público que será, na exata medida do esteio que representa com a comunidade que serve, adequadamente responsabilizado e em alinhamento com os mais elevados padrões e referenciais éticos de atuação.
Inserem-se, neste plano, um conjunto significativo de preocupações como, por exemplo, um claro reforço na garantia de livre acesso à informação de interesse público, a existência e robustecimento dos procedimentos de divulgação e gestão de conflitos de interesses, a existência de formas de divulgação e controlo dos bens de titularidade dos servidores públicos e, por fim e não menos relevante, de uma adequada e eficaz regulação nos complexos processos de interação entre o sector privado e o sector público, mitigando, entre outros, os indesejáveis riscos de portas giratórias.
Finalmente, e para lá de uma desejada harmonização das definições relativas às infrações penais suscetíveis de serem enquadradas como corrupção, procurando, em especial, abranger situações de suborno, apropriação indevida, tráfico de influências, abuso de poder, obstrução à justiça ou mesmo de enriquecimento ilícito, impor-se-á, também, promover uma nova reflexão sobre a necessidade de criação de novos organismos especializados na luta contra a corrupção, visando criar escala entre os diversos organismos nacionais e potenciando, em simultâneo, os desejados incrementos de eficácia, quer na atuação interna quer no plano europeu e mundial.
Como bem assinalou Mairead McGuinness, Comissária responsável pelos Serviços Financeiros da União, na ocasião da apresentação deste importante “caderno de encargos” da União Europeia contra a corrupção “…os atos de corrupção constituem um grave risco para a democracia e para o funcionamento do Estado de direito. A corrupção fica muitas vezes impune, nomeadamente quando está ligada aos detentores do poder. Propomos hoje alargar o conjunto de instrumentos e de sanções ao dispor da União Europeia, com o objetivo de promovermos uma atuação mais eficaz e de assim sancionarmos os responsáveis pela prática de atos de corrupção, independentemente do local onde ocorram.”
Assim esperamos.
Por ora, alea jacta est.