Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Quem acompanha os dados económicos depara-se, muitas vezes, com indicadores aparentemente contraditórios, que importa esclarecer.

Informação recente do Eurostat mostrou que Portugal teve a terceira maior taxa de crescimento económico da União Europeia em 2022, causando algum entusiasmo, mas a verdade é que se tratou sobretudo de um efeito de recuperação (no turismo, em particular, beneficiando da imagem de Portugal como destino bonito e seguro, longe da guerra na Ucrânia, e da realização de despesa adiada durante a pandemia, que também estimulou o consumo privado), após desempenhos inferiores à maioria dos países europeus nos dois anos precedentes.

Na verdade, a variação acumulada do PIB desde 2019 (em volume) foi de apenas de 3,3%, valor ligeiramente superior à média da União Europeia (3,0%), mas que foi o nono mais baixo entre os Estados-membros, pelo que o desempenho não nos pode deixar satisfeitos, sobretudo tendo em conta que Portugal cresceu a um ritmo quase metade do registado na média da UE nas duas primeiras décadas deste milénio.

Mais importante, Portugal continua cada vez mais na cauda da Europa em nível de vida (aferido pelo PIB per capita em paridade de poderes de compra), o indicador que conta em termos de convergência real e que as pessoas efetivamente sentem quando viajam, ao compararem o seu poder de compra com outros povos europeus, e também quando tomam a decisão de emigrar.

Com efeito, o mesmo Eurostat mostrou que, embora Portugal tivesse melhorado o seu nível de vida relativo em 2022, de 75,1% para 77,2% da média da UE, a verdade é que este valor é ainda bastante inferior ao registado em 2019 (78,2%), antes da pandemia, e traduz a perda de mais uma posição neste importante indicador, de 20.º para a 21.º, ou seja o sétimo pior na UE27.

A Hungria foi o país que ultrapassou Portugal em 2022, mas mesmo a nossa 21.ª posição está ameaçada, pois fomos alcançados pela Roménia (também em 77,2% da média), que durante muitos anos foi o país mais pobre da UE e, em 2017, era ainda o segundo pior a este nível, tendo entrado mais tarde na União (em 2007) e recebido relativamente menos fundos europeus.

Estes resultados não nos devem deixar satisfeitos, naturalmente.

Muito se tem dito sobre as causas desta ultrapassagem e, se é verdade que muitos dos países de Leste que nos ultrapassaram em nível de vida tinham (e têm) níveis médios de qualificação de partida relativamente mais elevados, tal não é explicação para tudo, nem sequer será a causa primordial. Com efeito, Portugal tem progredido nas qualificações, mas não consegue aproveitar cabalmente esse capital humano, pois uma parte significativa dessa geração mais qualificada de sempre tem estado a emigrar na última década, mesmo já depois do período mais dramático da troika, pese embora algum desagravamento recente, evidenciado na crónica anterior.

Além do fator trabalho, o outro fator primordial para o crescimento económico é o capital, pelo que devemos olhar também para aí à procura de explicações para o nosso baixo desempenho.

Em 2022, Portugal era o país com a terceira pior taxa de investimento (20,6%, que compara com 24,8% na UE), posição que tem mantido, apenas com pequenas oscilações, desde o pedido de ajuda externa e a intervenção da troika, que nos obrigou a reduzir o endividamento externo, precisamente uma das grandes fontes de financiamento do investimento até então.

Se, mesmo com grandes afluxos de fundos comunitário, Portugal regista este baixo nível de investimento em termos relativos, não é de espantar que a nossa produtividade não progrida como noutros países e que o nosso crescimento económico potencial seja baixo (basta olhar para o reduzido crescimento tendencial neste milénio), limitando o avanço do nível de vida.

Isto leva-nos à execução do atual pacote irrepetível de fundos comunitários, os do PRR e os do Portugal 2030, grosso modo.

Se o PPR já deveria estar em execução plena, a verdade é que os pagamentos são ainda relativamente baixos, nomeadamente às empresas, limitando o efeito na economia, pois não basta receber as tranches de financiamento, é preciso depois uma Administração ágil para que beneficiários diretos e indiretos vejam os seus pedidos analisados com a celeridade devida, e aí Portugal esbarra, como sempre na burocracia excessiva do nosso Estado. É preciso ainda reconhecer que a inflação tem vindo a dificultar, e muito, a execução, pois os custos dos investimentos programados aumentaram face aos orçamentos iniciais, pelo que está em preparação uma reprogramação.

Ao nível do Portugal 2030, os primeiros concursos oficiais começaram há pouco tempo, mas dizem alguns especialistas que já esta atrasado muitos meses, o que não é um começo auspicioso.

Acresce que os empréstimos às empresas já estão em contração (certamente a refletir a subida rápida das taxas de juro, no contexto do combate do BCE à inflação), o que irá prejudicar ainda mais a execução dos fundos.

Dito isto, é preciso criar condições para que o investimento seja alimentado, de forma mais sustentável e perene, por poupança interna, algo que não está, na maior parte das vezes, na ordem do dia.

As taxas de juro de depósitos já começaram a subir, mas de forma ainda incipiente, como o próprio Governador do Banco de Portugal reconheceu.

Faltam instrumentos com um binómio risco-rentabilidade atrativo em Portugal e, além dos tradicionais certificados de aforro (que têm tido uma grande adesão nos tempos mais recentes), o investimento em imobiliário tem sido dos mais populares, mesmo que não acessível a todos.

Acontece que o recente pacote de habitação lançado pelo governo desfez laços de confiança com os investidores, nomeadamente em matéria de alojamento local e de arrendamento, onde basta olhar para a medida de limitação do aumento das rendas a 2% (o que traduz atualmente uma quebra em termos reais) para ver que vai afastar investidores nesse segmento (já para não falar da instabilidade fiscal), precisamente o contrário do pretendido.