Jorge Fonseca de Almeida, Dinheiro Vivo
Ao contrário do que advogam os liberais muitas indústrias são criadas e desenvolvidas com o investimento público e só quando atingem um certo ponto de maturação passam os privados a desempenhar um papel central. A Nova Economia do Espaço é um bom exemplo. Durante mais de meio século a pesquisa espacial foi desenvolvida por agências estatais nos Estados Unidos e Rússia a que se somaram mais tarde a Europa, a China e a Índia.
Foi o dinheiro público que financia a NASA, e é o dinheiro público que financia a ESA (European Space Agency - Agência Espacial Europeia), que estranhamente inclui entre os seus membros o Canadá, já sem falar da Roscosmos, da CMSA chinesa ou da ISRO indiana. Sem dinheiro público a aventura espacial não existia. E trata-se de dinheiro público bem aplicado e gerido tais são os feitos que a humanidade tem conseguido no domínio do aproveitamento do espaço sideral.
Como seria hoje o transporte por terra, ar e mar sem os sistemas de orientação baseados em satélites como o GPS americano ou o sistema europeu Galileu ou o Glonass russo ou o chinês BeiDou? Como seriam as telecomunicações internas e externas sem a rede de satélites de comunicações?
Estes fundos públicos, aplicados em programas espaciais, geram uma procura considerável junto de empresas privadas criando todo um setor económico que se vindo a expandir-se a grande velocidade em vários países.
Até países minúsculos como o Luxemburgo têm apostado no setor com sucesso. Mais do que a massa crítica, que o Luxemburgo, com os seus 600 mil habitantes, obviamente não tem, o que é preciso é inteligência e saber posicionar-se. Portugal não o tem sabido fazer. Está a ficar para trás numa industria de futuro e que está em grande e acelerado crescimento.
A grande indústria espacial tem dois grandes subsetores, o subsetor que fica a montante (upstream) e no que fica a jusante (downstream). O primeiro concentra-se na infraestrutura básica, os portos de lançamento, os foguetões e outros vetores de lançamento, a infraestrutura de operação, a construção de satélites, etc.. O segundo visa transformar os dados gerados e recolhidos em produtos vendáveis. O grosso do volume de negócios, mais de 80%, está no setor jusante, mas o controlo estratégico no setor montante.
Na Europa o setor montante é dominado pela ESA e povoado por três ou quatro grandes empresas que dominam completamente. As empresas portuguesas podem atualmente, quanto muito, ser fornecedoras de bens e serviços para estes colossos. Este aspeto é de grande relevância na aprendizagem e criação de uma indústria. A forma de o fazer é simples e direta: aumentar significativamente o contributo português para a ESA. Todo o dinheiro entregue à ESA será integralmente utilizado para compras à indústria nacional.
Eis pois um caminho relativamente fácil embora exija negociações para que esses fundos não desaguem em empresas estrangeiras localizadas em Portugal, altura em que seriam um subsidio ao desenvolvimento de outros países que não o nosso.
A localização portuguesa também deve ser explorada, nomeadamente os Açores que têm condições excecionais para antenas ou lançamentos.
Mas o dinheiro está como vimos no subsetor jusante. E é aqui que Portugal tem de apostar com mais desenvoltura. Com imaginação, com criatividade, com o investimento público português na aquisição de serviços que orientem e guiem o setor privado. A segurança nacional, por exemplo em termos de fogos florestais, de vigilância das águas pelas quais somos responsáveis, de redução de custos de transportes, de conhecimento do nosso país, de desenvolvimento de produtos novos, são áreas em que Portugal deve e pode investir. Para não ficarmos irremediavelmente para trás nesta corrida ao espaço.