Rute Serra, Expresso online

Talvez seja importante sabermos, à distância de um clique, a quantidade e a identidade, por sector de atividade, dos que se registaram para o exercício da prática do lóbi, junto das instâncias europeias

Influenciar decisões políticas e legislativas, exercendo a atividade conhecida como lóbi, a qual pode ser praticada por cidadãos, organizações públicas e privadas, governamentais ou não, é salutar para a democracia porque envolve os representados e destinatários (diretos e indiretos) daquelas decisões, na formulação da solução mais eficaz possível.

Que estes atos sejam praticados sem regulação, mergulhados num obscurantismo e ambiente de suspeita que corrói e destrói a confiança na qualidade das decisões tomadas e esbulha a transparência com que estas devem ocorrer, já não é nada, mesmo nada saudável, para uma democracia que se quer estável.

Quem se apresentar como lobista ainda fará levantar o sobrolho do interlocutor, pelo menos, em Portugal. Ainda que assim seja, a atividade existe, persiste e é praticada por quem tem acesso privilegiado aos decisores, num exercício de permanente equilibrismo em cima da linha estreita que separa o lóbi do tráfico de influências, este último tipificado como crime.

A desconfiança com que a atividade do lóbi ainda é encarada em Portugal, tem provavelmente contribuído para que a regulamentação devida, tarde em chegar. Depois de anos de avanços e recuos (desde 2015 que não passamos da tentativa), permanece desregulada a atividade, com os consequentes custos reputacionais que nenhum político ou decisor deve desejar pagar.

Melhorar a transparência e a integridade do processo de tomada de decisão pública deve ser uma prioridade na agenda dos governos. E este é um tema onde não queremos modéstia na abrangência da regulamentação: os processos de influência sobre quem financia pesquisas, grupos de reflexão, utilizadores de redes sociais como ferramenta de lóbi, devem estar abrangidos por um conjunto de obrigações que legitimem a sua intervenção.

No que concerne à utilização das redes sociais como um meio para a prática do lóbi, atividade em ascensão numa sociedade que vive cada vez mais no digital, é desconcertante saber que apenas o Canadá e a União Europeia preveem, nas suas regulamentações sobre o assunto, exigências àqueles lobistas sobre a divulgação de informação (ou desinformação, mas sempre com o objetivo de influenciar a opinião pública) através das redes.

Apesar da existência de um registo, de caráter não obrigatório, para os lobistas a atuar junto das instituições da União Europeia desde 2005, em 20 de maio de 2021, o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia adotaram um acordo interinstitucional sobre um “registo de transparência obrigatório”, sem o qual os representantes de interesses não poderão realizar certas atividades em relação às instituições europeias. É certo que não foi este passo que evitou o mais recente escândalo de corrupção, a envolver altos dignitários europeus, que fez abalar os pilares das boas intenções.

O buraco negro ainda existente na regulamentação europeia, no que concerne à obrigatoriedade de registo de países terceiros ou representações permanentes, pode ter potenciado o delito. Na verdade, não existem soluções perfeitas, numa matéria que depende em grande medida da seriedade de quem, dos dois lados da barricada, exerce a atividade. Mas talvez seja importante sabermos, à distância de um clique, a quantidade e a identidade, por sector de atividade, dos que se registaram para o exercício da prática do lóbi, junto das instâncias europeias.

O que, em suma, tarda e se reclama, é que os processos de influência das políticas públicas sejam orientados por padrões que elevem a qualidade do necessário escrutínio público da atividade e que estes se desenvolvam numa amplitude participativa suficiente e verdadeiramente, descortinável.