Aldo Andretta, OBEGEF

O Relatório da Transparência Internacional mostra uma diferença absurda entre Portugal e o Brasil. E não é só pela posição que cada um ocupa ou pela pontuação atribuída a eles, mas sim por mostrar que enquanto um precisa melhorar suas políticas e controles o outro necessita evoluir com diversos problemas estruturais.

Em meus textos tenho falado bastante sobre fraudes digitais, que é um tema que entendo depender de muita divulgação e cooperação entre pessoas e instituições, pois sem informação estamos cada dia mais vulneráveis.

Mas hoje quero me debruçar no campo da corrupção, mais especificamente no Índice da Transparência Internacional 2022, fazendo algo que também gosto bastante, que é comparar a Portugal e Brasil, entendendo as boas práticas de cada um, os pontos em comum e as oportunidades de cada um.

Falando da posição de cada um, Portugal caiu do 32º para o 33º Lugar, mantendo 62 pontos (https://transparencia.pt/indice-de-percecao-da-corrupcao-2022/ ). O Brasil ficou estável, com a mesma pontuação de 2021 (38), subindo do 96º lugar para o 94º (https://transparenciainternacional.org.br/ipc/ ). Até aqui nada a se comemorar, pois enquanto Portugal fica abaixo da média da região (66) pontos, o Brasil fica estagnado e sem melhorias significativas que o ajude a subir seu patamar.

Mas, podemos comparar um país de ficou na 32ª posição com um país que ficou na 94ª, com uma pontuação que é quase o dobro um do outro? De pronto posso dizer que não, pois mostra uma diferença abissal entre as questões da gestão pública entre os dois países. E essa diferença se torna ainda maior, quando analisamos os dados desde 2012. Portugal vem mantendo neste período uma média de 62 pontos. Já o Brasil caiu de 43 em 2012 para 38 em neste corrente ano. E já foi pior, pois em 2018 e 2019 batemos os 35 pontos, época que foi deflagrada uma grande frente de apuração de crimes de corrupção (Operação Lava Jato).

Olhando para os motivos que levaram a essas pontuações conseguimos constatar os motivos de tal diferença. Enquanto o relatório referente a Portugal indica que a Estratégia Nacional Anticorrupção (ENAC) foi lançada sem diretrizes ou plano de monitoração, resultando em lentidão e falta de efetividade na aplicação, no Brasil a coisa se torna muito mais grave.

O motivo do apontamento negativo ao Brasil foi a interferência do Governo Federal em órgãos de controle para proteção da própria família, tais como a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), Polícia Federal, Receita Federal, Controladoria Geral da União (CGU), entre outros. Aqui faço um parêntese: estas indicações estão no relatório da Transparência Internacional, Capítulo Brasil, onde pode ser acessado pelo link que deixei anotado acima. Portanto, expresso aqui os motivos pela pontuação do Brasil no referido índice e não uma opinião pessoal. Para os colegas portugueses, quero dizer que é preciso sempre destacar este ponto, pois a polarização política por aqui pode causar confusões.

Seguindo no relatório, lê se nos comentários a forte preocupação com o Visto Gold, que pode aumentar os desafios de combate ao branqueamento de capitais, bem como os gastos com o setor de defesa precisa de uma maior transparência, pois não são suficientemente claros e enfraquecem as salvaguardas em relação a corrupção.

No Brasil, logicamente há uma preocupação com o branqueamento de capitais, porém nenhum fato específico potencializou essa possibilidade. Contudo, no ponto seguinte, que são os gastos do setor de defesa temos uma forte identificação, pois aqui foram amplamente noticiados fatos que geram imensa suspeitas sobre os gastos realizados  (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2022/02/tcu-aponta-indicios-robustos-de-fraude-por-fornecedora-de-insumo-para-cloroquina-do-exercito.shtml). Pronto, achamos uma semelhança!

Mas paramos por ai! O relatório que indica que, por aqui, a Procuradoria Geral da República foi omissa em várias condutas criminosas, além do desmonte da capacidade de apuração do Ministério Público Federal. E vamos falar também da falta de transparência de dados públicos, com inúmeras decretações de sigilos em relação a dados do Governo Federal.

Também citamos o ineditismo de nosso legislativo quanto a implementação de prática de negociações para aprovações de interesses governamentais em troca de verbas do chamado “orçamento secreto”, onde não há qualquer rastreabilidade da utilização destes valores (isso mesmo, alguém que não sabemos quem, gasta com o que quiser, sem qualquer prestação de contas). E não vemos mudança nas últimas eleições que nos deixe esperançosos, ao menos com o início de uma mudança de mentalidade que mude esse tipo de atuação.

Além de outras várias indicações dos motivos pelos quais o Brasil tem uma baixa pontuação, gostaria de destacar uma que é difícil de explicar para a população de modo geral, que são as reversões de decisões judiciais por Tribunais Superiores, causando uma terrível percepção de que a corrupção vale a pena. Mais uma vez digo que não estou fazendo qualquer juízo político.

Isso, pelo motivo de ter ocorrido, ao meu ver de maneira indevida, uma enorme “publicidade” de um determinado julgamento (ao menos durante a investigação e no julgamento em primeira instância), ocorrer a condenação, ser ratificada por um Tribunal de segunda instância e ser anulado por um Tribunal Superior, pelo motivo de que o processo deveria ser tratado por outro Tribunal, vez que o suposto crime teria ocorrido em outro local.

Tecnicamente, por ter formação jurídica, posso dizer que a decisão do Tribunal Superior está correta, pois crime se apura no local que ocorreu, sendo que seu julgamento fora do Tribunal competente, gera nulidade processual. Porém, isso é péssimo para qualquer tipo de delito, pois parece que a justiça não funciona e o crime compensa. Por outro lado, é uma estratégia da defesa, já que espera o julgamento e na última instância, anula o processo forçando que seja todo refeito, ganhando tempo para busca da prescrição da intenção punitiva, ou seja, que seu cliente jamais seja preso.

Vê se claramente que o sistema jurídico brasileiro, em sua formatação atual, não contribui para que exista uma efetiva punição àqueles que praticam a corrupção, pois possibilitam inúmeras estratagemas por parte da defesa, para evitar a condenação de seus clientes.

Concluindo, os desafios de Portugal e Brasil no combate a corrupção são bem diferentes, pois enquanto o primeiro precisa amadurecer suas políticas anticorrupção e efetivar seus controles e monitoramentos, o segundo precisa resolver seus problemas estruturais para avançar no combate a corrupção.

Espero ter dado minha contribuição!