António João Maia, Público online,
Ninguém está desobrigado da integridade.
A questão da ética apresenta-se de forma permanente e incontornável na vida dos homens.
A sociedade no seu todo – o Estado e as suas estruturas, as organizações com um caráter mais ou menos formal, a relação mais simples que possamos imaginar entre dois seres humanos –tem sempre associada a dimensão da ética.
A ética tem sido e muito provavelmente continuará a ser o pilar mais estruturante, a trave-mestra, da arquitetura da nossa vida coletiva, como explorei anteriormente aqui neste mesmo espaço em All we need is ethics (https://www.publico.pt/2017/02/03/economia/opiniao/all-we-need-is-ethics-1760793) , ou, a propósito da sua importância concreta no funcionamento das organizações, em Integridade (https://ionline.sapo.pt/artigo/736185/integridade-360-porque-e-a-etica-que-nos-une?seccao=Opiniao_i) 360 - porque é a ética que nos une (https://ionline.sapo.pt/artigo/736185/integridade-360-porque-e-a-etica-que-nos-une?seccao=Opiniao_i).
Sem ética, as outras dimensões da vida ficam circunstancialmente mais difíceis de uma concretização adequada. Imagine-se por exemplo o que seja o funcionamento da economia, dos mercados, da concorrência, da política, dos avanços científicos e tecnológicos, das relações profissionais e hierárquicas, do mero e simples relacionamento de duas pessoas quando se cruzam na rua, sem a presença da ética… – bem, na realidade, este esforço de imaginação não é, infelizmente, nada difícil de ser realizado, dadas as frequentes notícias de suspeitas de fraude e corrupção que nos trazem precisamente sinais da ausência de ética e de integridade nas mais variadas situações quotidianas.
A ética é inquestionavelmente um fator inerente à existência do homem, enquanto ser social e relacional. É como uma espécie de carril sobre o qual rola toda a vida coletiva. E, tal como quando viajamos no comboio, por mais acolhedor e confortável que ele se nos apresente, se o carril sobre o qual circula não estiver solidamente preso ao chão, a viagem será sempre um permanente sobressalto gerador de insegurança, no receio de que o descarrilamento possa suceder a todo o instante.
A ética deriva do termo grego ethos e associa-se genericamente a condutas, comportamentos, modos de ser e estar dos indivíduos, sobretudo nos relacionamentos interpessoais, e é geralmente objeto de análise pelas ciências da filosofia. Tem sido tema de estudo e reflexão em todos os tempos, adquirindo particular centralidade de análise e debate precisamente quando está em crise, ou seja, quando não parece tão solidamente presente nas relações entre as pessoas. Por outras palavras, só damos importância é ética na sua ausência.
Claro que as reflexões no campo da ética dificilmente permitem chegar a conclusões taxativas relativamente a condutas exatas a seguir. Uma espécie de prescrição das ações a adotar pelas pessoas. Não é da sua natureza.
Desde logo porque as condutas a adotar por cada sujeito em cada ocasião dependem das circunstâncias próprias do momento e do modo com são avaliadas pelos intervenientes. As reflexões no campo da ética devem, isso sim, contribuir para fornecer instrumentos adequados de avaliação sobre as circunstâncias de cada momento tendo em vista a adoção de condutas mais adequadas do ponto de vista do cumprimento dos valores éticos. Por isso se considera que a ética e a integridade é uma responsabilidade e um dever de cada um.
A ética reflete sobre os valores mais importantes para enquadrar as relações das pessoas nas mais diversas circunstâncias (os valores que uma sociedade considera centrais no seu tempo), sobre a importância, o significado, o sentido desses valores e que elementos devem ser tomados em consideração tendo em vista a sua concretização por cada sujeito em cada circunstância.
Assim, os valores da ética podem ser perspetivados segundo pelo menos três níveis de análise:
Do ponto de vista filosófico, a que corresponde toda a reflexão apontada anteriormente, sobre o sentido, o significado e a importância de cada valor ético, como por exemplo entrenós os valores liberdade, igualdade, transparência, responsabilidade, honra, entre outros que todos conhecemos muito bem (ao menos por sermos capazes de os verbalizar).
Do ponto de vista normativo, a que correspondem os articulados, as normas e os textos que prescrevem esses mesmos valores de forma transversal para todos os cidadãos. Os princípios que encontramos nos diversos diplomas legais, particularmente os princípios fundamentais do texto constitucional traduzem esta dimensão normativa, prescritiva dos nossos valores éticos.
Do ponto de vistas das condutas, a que correspondem – ou devem corresponder – as ações de cada um relativamente ao cumprimento desses mesmos valores. E é neste nível de análise que vamos encontrar a noção de integridade, a qual decorre de toda a ação dos indivíduos que se adequa ou traduz o sentido dos valores da ética, tal como se encontram prescritos no plano normativo, mas sobretudo como são equacionados do ponto de vista filosófico.
E esta segmentação de análise permite tecer algumas considerações que considero importantes relativamente a esta questão:
Primeiro – os valores da ética são apreendidos e partilhados ao longo da vida através dos processos de socialização e educação a que todos estamos expostos e dos quais fazemos parte, o que equivale a dizer, no nosso quotidiano. Os valores da ética constroem-se, validam-se, reforçam-se ou fragilizam-se precisamente através das condutas das pessoas – de todas as pessoas, e não mais por uns do que por outros. Ninguém está desobrigado da integridade.
Segundo – as pessoas parecem cada vez mais afastadas dos valores da ética perspetivados do ponto de vista filosófico, ou seja, do seu verdadeiro significado e sentido. Parecem preferir o pragmatismo da sua dimensão normativa. Por isso muitas vezes argumentam que se a lei permite ou não proíbe uma determinada conduta então não se suscitam problemas ou questões de ética nem de integridade.
Terceiro – que a integridade, a adoção de condutas concordantes com os valores da ética, é um dever e uma responsabilidade de todos os cidadãos, sem excluir naturalmente que alguns cidadãos, por exercerem determinadas funções de exemplaridade maior na sociedade e nas organizações, têm responsabilidades acrescidas neste âmbito.
O debate sobre as temáticas da ética e da integridade irá manter-se na agenda mediática e por certo contribuirá para o aprofundamento da reflexão filosófica sobre estas questões – as condutas que são mais ou menos adequadas do ponto de vista do cumprimento da integridade – e porventura também para eventuais ajustes da correspondente componente normativa.