Nuno Magina, Jornal i online
Os políticos tendem a avaliar as condutas éticas dentro de parâmetros estritamente legais e formais
Portugal vive num debate constante sobre a ética de quem nos governa. A perceção dos portugueses é de que os titulares de cargos políticos tomam, vezes de mais, decisões com base em interesses pessoais, facilitando o clientelismo e amiguismo em detrimento do interesse público.
Por estranho que pareça, sempre que surge mais um caso político, os altos responsáveis habituaram-se a defender o seu bom nome sem qualquer pudor na praça pública, protegendo-se atrás do cumprimento integral da lei e descurando princípios éticos fundamentais, algo visto por muitos como a legalização da corrupção. Um mecanismo de defesa que resulta inevitavelmente na quebra da confiança depositada pelos cidadãos nos representantes eleitos ou nomeados politicamente. A subversão da ética política faz crer que Portugal se trata de um condado à beira-mar plantado, destinado a ser “governado” por um grupo restrito de pessoas.
O Código de Conduta do XXIII Governo Constitucional, aprovado em 9 de maio de 2022 – uma medida tomada no contexto da Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 - expressa de uma forma clara os princípios gerais de conduta, por exemplo: “prossecução do interesse público e boa administração”; “transparência”; “imparcialidade”; “integridade e honestidade”; e “garantia de confidencialidade quanto aos assuntos reservados dos quais tomem conhecimento no exercício das suas funções”, sendo necessário que os titulares de cargos políticos ajam e decidam “exclusivamente em função da defesa do interesse público”. Contudo, na ausência de definições para todos esses princípios gerais de conduta, o código limita-se a remeter para disposições legais avulsas, como seja o Artigo 69.º do Código do Procedimento Administrativo, relativo a casos de impedimento por conflitos de interesses tipificados na lei. Fica ainda no ar uma dúvida substancial sobre como supervisionar o cumprimento dos ditos princípios gerais de conduta.
A Assembleia da República, na sua competência de fiscalização, está naturalmente colocada para supervisionar a aplicação do referido código de conduta pelo Governo. Todavia, presentemente colocam-se dúvidas fundamentais sobre a fiscalização da conduta dos próprios Deputados da Assembleia da República, ferindo com gravidade a arquitetura da ética política.
O estudo “Ética e integridade na política”, publicado no passado mês de dezembro pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, é bastante elucidativo quanto à opacidade da ética na política portuguesa. Citando este estudo, “os políticos tendem a avaliar as condutas éticas dentro de parâmetros estritamente legais e formais, ao passo que os cidadãos tendem a ter uma conceção mais abrangente e a considerar inaceitáveis várias práticas e condutas que os políticos veem como normais em política”. Este estudo despoleta, e muito bem, a discussão sobre a regulação da ética política, sendo necessário responder a três questões: Quem é regulado? Que áreas temáticas são objeto de regulação? e Através de que sistema de valores, regras e instrumentos é efetuada a regulação?
O país continua sem responder a todas essas questões de uma forma transparente. Algumas operações de cosmética, como o Código de Conduta aprovado em 9 de maio de 2022, podem fazer crer que os portugueses podem ficar descansados. Contudo, na ausência de todos os pilares da ética política, a perceção negativa por parte dos cidadãos estará para ficar.