António Dias, OBEGEF
Reconheço que tive alguma dificuldade em escolher o título desta crónica. Não queria repetir-me e muito menos ser injusto, mas na verdade, no que respeita à Corrupção, está quase tudo na mesma. E mais uma vez antecipo… na próxima “tudo será como dantes”.
Em agosto de 2019 escrevi a minha primeira crónica do ciclo “Alice” que intitulei de “Alice no País da (maravilhosa) Corrupção” onde dava conta da publicação de um relatório divulgado pela GRECO (grupo de estados contra a corrupção do Conselho da Europa) em que Portugal foi considerado o país com maior proporção de recomendações anticorrupção não implementadas, obtendo o último lugar entre 26 países Europeus.
Cerca de um ano depois, em julho de 2020, publiquei a crónica “Alice no País da (estupefacta) Desilusão” onde constato que Portugal continuava a ser um aluno rebelde, tendo implementado integralmente apenas uma das quinze recomendações emitidas pelo GRECO, ou seja, um grau de cumprimento de apenas 6,7% que nos mantinha no grupo de 15 países com baixo nível de cumprimento das recomendações relativas a deputados, juízes e magistrados. Face a este resultado, não resisti ao desabafo… “Em casa de ferreiro, espeto de pau” e utilizando uma frase que se tornou corrente por causa da pandemia, antecipei que na próxima crónica “tudo será como dantes”.
Em maio de 2021 voltei a debruçar-me sobre o tema e na crónica “Alice no País do Tudo na Mesma”, apesar de se verificar uma ligeira melhoria, três recomendações foram consideradas implementadas de forma satisfatória (o que equivale a uma taxa de cumprimento de 20%), sete consideradas parcialmente implementadas e cinco continuavam por implementar (uma sobre membros do parlamento, duas sobre juízes e duas sobre o ministério público).
E eis que chegamos a 2022, na expectativa (e esperança) de vermos todas as recomendações devidamente cumpridas e implementadas. Pois bem, lamento a desilusão, mas não é o caso.
No último relatório apresentado pelo GRECO (6 de setembro) verifica-se que Portugal, fez “apenas pequenos progressos”. Continuam a ser apenas três as recomendações implementadas, sendo que dez já se encontram em implementação e duas continuam por implementar (ambas relativas ao poder judicial). E ainda que não esteja “tudo na mesma”, é caso para dizer que a implementação das medidas propostas avança a passos de caracol.
Chamo também a vossa atenção para o Índice de Perceção da Corrupção de 2021 (relatório publicado anualmente pela Transparency International) onde se constata que Portugal obteve 62 pontos, ocupando a 32.ª classificação entre 180 países. Até pode parecer que não é mau, mas dou nota que Portugal obteve a mesma classificação que em 2019 (após ter perdido um lugar em 2020) e que continua abaixo da média da União Europeia (64 pontos) e da média conjunta da Europa Ocidental e União Europeia (66 pontos). Ainda de destacar, que a classificação de Portugal não regista evoluções significativas desde 2012.
Mais uma vez, ainda que não esteja “tudo na mesma”, registam-se pequenos avanços e recuos que pouco alteram. O caracol, sempre lento, por vezes dá passos de caranguejo.
O mesmo relatório, aponta falhas no combate à corrupção, nomeadamente na “recente” Estratégia Nacional de Combate à Corrupção que deixa de fora os gabinetes dos principais órgãos políticos, dos órgãos de soberania e o Banco de Portugal. Como pontos a melhorar, foram identificados tópicos relacionados com conflitos de interesses, regulação de atividades de lóbi e fortalecimento da integridade eleitoral, que se traduzem na necessidade de promover alterações legislativas e proceder a reformas significativas nas instituições.
Também sob a chancela da Transparency International, foi publicado o Global Corruption Barometer UE 2021 em resultado da participação num inquérito de cerca de 40.000 pessoas dos 27 países da União Europeia. Este documento apresenta um dos maiores e mais detalhados estudos sobre a perceção pública relativa à corrupção e suborno no seu país. Se bem que fosse muito interessante apresentar os dados que resultam da comparação internacional, por economia de espaço, referimo-nos em exclusivo a Portugal, recomendado a leitura do documento original. Vejamos alguns destaques, que resultam da opinião dos 1000 Portugueses que foram inquiridos:
- 41% acreditam que a corrupção em Portugal aumentou nos últimos 12 meses (6.º lugar, média UE 32%), 13% julgam que diminuiu, 41% admitem estar igual e os restantes não sabem.
- 88% julgam que a corrupção no governo é um grande problema (4.º lugar, média UE 62%);
- 60% classificam o desempenho do governo na luta contra a corrupção como “mau” (9.º lugar, média UE 49%);
- 63% concordam que o governo é orientado por “grandes” interesses e interesses pessoais (8.º lugar, média UE 53%)
- 3% admitiram ter pago subornos nos serviços públicos nos 12 meses anteriores (19.º lugar, média UE 7%):
- 48% admitiram usar os seus conhecimentos pessoais para utilizar os serviços públicos nos 12 meses anteriores (2.º lugar em igualdade com a França, média UE 33%);
- 58% têm medo de retaliações se denunciarem casos de corrupção (5º lugar, média UE 45%)
Dá que pensar, dá mesmo muito que pensar (caro leitor, imagine que respondeu ao inquérito… tem a mesma perceção que os inquiridos?)
Vejamos agora o último Relatório Anual de Segurança Interna onde se conclui que a corrupção continua a atingir significativamente Portugal. Em 2021 foram iniciados 783 inquéritos por corrupção (um aumento considerável face a 2020 onde foram iniciados 688) e concluídos 499. Dos concluídos, apenas 41 deram origem a acusação, apenas 5,13%.
É caso para dizer, “que a montanha pariu um rato”. Mas leva também a questionar as razões que estão na origem de tantos processos arquivados (o que não posso comentar por falta de dados).
Em desabafo, inocentes como a Alice, valha-nos a esperança… 85% dos Portugueses inquiridos pela Transparency International pensam que as pessoas “normais” podem fazer diferença na luta contra a corrupção. A ver vamos…
Despeço-me, reconhecendo que tive alguma dificuldade em escolher o título desta crónica. Não queria repetir-me e muito menos ser injusto, mas na verdade, no que respeita à Corrupção, está quase tudo na mesma. E mais uma vez antecipo… na próxima “tudo será como dantes”.