Daniel Espínola, Jornal i online

A corrupção e a fraude são muitas vezes tratadas como problemas de alguns indivíduos inescrupulosos que fazem más escolhas (…), perspectiva que desvia a atenção das vulnerabilidades organizacionais

Muitos dos instrumentos tradicionais para a gestão de políticas públicas se baseiam em concepções de que seus formuladores, servidores públicos e cidadãos sempre se comportam como agentes plenamente racionais. Contudo, evidências em sentido contrário vêm sendo acumuladas por estudos experimentais nos campos da psicologia e economia. Na verdade, quando se trata de compreender as decisões e os comportamentos dos seres humanos na vida real, verifica-se que “anomalias” do modelo do agente racional parecem ser mais a regra do que a exceção. As pessoas tomam a maior parte de suas decisões de forma automática e intuitiva, enquanto apenas algumas decisões são tomadas de forma plenamente deliberada e consciente.

Entretanto, apesar do modelo do agente racional estar sendo questionado há algumas décadas, apenas nos últimos anos as implicações desses questionamentos passaram a repercutir sobre o campo das políticas públicas. O Reino Unido e os Estados Unidos foram os pioneiros na aplicação desses novos estudos e paradigmas – organizados sob o que hoje conhecemos como “economia comportamental”, ou “ciências comportamentais aplicadas”. Organismos internacionais como o Banco Mundial, a União Europeia e a OCDE têm publicado diversos materiais nos quais os principais conceitos e aplicações dessa abordagem são apresentados, bem como realizado uma série de iniciativas com o objetivo de disseminar o conhecimento e fomentar a utilização dessas novas ferramentas para o aprimoramento das políticas públicas.

No campo das políticas de prevenção à fraude e corrupção, o modelo padrão ainda mais utilizado pelos seus formuladores não se difere das demais ao enquadrar os dilemas e decisões éticas como problemas de cunho racional e individual. Em outros termos, a corrupção e a fraude são muitas vezes tratadas como problemas de alguns indivíduos inescrupulosos ou desinformados que, deliberadamente, fazem más escolhas e devem ser penalizados o mais rapidamente possível. Tal perspectiva desvia a atenção das vulnerabilidades organizacionais, não observando a importância do contexto em que as decisões são tomadas, pressões a que os agentes possam estar submetidos, vieses cognitivos e sistemas disfuncionais de gestão e de governança que induzem as pessoas comuns a tornarem-se “eticamente cegas”.

Conceber políticas públicas de prevenção à corrupção eficazes depende, principalmente, de prever e direcionar adequadamente comportamentos humanos. Prescinde de seus formuladores estarem sempre atentos ao que as pessoas fazem, como fazem e porque elas fazem. Isso começa pela compreensão de como elas tomam decisões e como convertem essas decisões em práticas éticas. A tarefa dos gestores públicos seria definir e dar vida aos valores orientadores de uma organização, criando um ambiente que suporte comportamentos eticamente sólidos e promovendo um senso de responsabilidade compartilhada entre os funcionários.