Jorge Fonseca de Almeida, OBEGEF

A adoção da Diretiva dos Denunciantes (Whistleblowers) surge como mais uma, de tantas, oportunidades perdidas que Portugal tem tido nas últimas décadas. Oportunidades sucessivas que a cultura política dominante não permite que o país aproveite.

A proteção dos denunciantes é fundamental para um melhor combate à fraude e à corrupção, mas também ao assédio moral e sexual, ao racismo nos locais de trabalho, à violência doméstica e a uma variedade de outros crimes. A União Europeia emitiu uma diretiva clara sobre a proteção que os Estados membros devem dar a estes heróis do quotidiano que arriscam as suas carreiras e a sua segurança pelo bem comum, pela decência e transparência e para erradicar o crime da sociedade. Portugal, muito a contragosto, foi obrigado a transcrever a Diretiva, o que acabou por fazer já sobre a data limite e muito depois de outros países.

A atuação do Estado fomenta, contudo, uma cultura que repudia o denunciante e legitima todas as pressões e abusos para que qualquer potencial denunciante se cale e não comunique o que sabe.

Vivemos recentemente dois casos exemplares em que as autoridades não se moveram em favor dos denunciantes antes procuraram por todas as formas remetê-los ao silêncio.

O primeiro caso deu-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa quando um conjunto de alunas, numa atitude de grande dignidade e coragem, apresentou queixa de vários docentes. Estes estariam envolvidos em práticas que iriam da humilhação pública dos alunos ao assédio moral e sexual. O que fizeram as autoridades desta importante faculdade e alma mater de tantos políticos importantes da praça. Aproveitou a oportunidade para se livrar das “maçãs podres” que inevitavelmente surgem em todas as instituições e tornar a faculdade um lugar mais seguro para a aprendizagem? Infelizmente não. Abriu inquéritos aos denunciantes. Perante esta situação que atuação teve o Ministério da tutela? Aparentemente nenhuma. O caso provavelmente morrerá e as “maçãs podres” continuarão a atuar em impunidade.

O segundo caso deu-se com as denúncias públicas efetuadas por diversos sindicatos das Polícias sobre graves práticas racistas nessas instituições. Uma das denúncias foi até dirigida diretamente ao Presidente da República. O que aconteceu? Abriram-se inquéritos? Puniram-se os prevaricadores? Não. O Chefe da Polícia, o famigerado Magina, ameaçou os denunciantes com processos disciplinares e, os que não estão sob a sua alçada direta, com processos-crime.  

O mundo verdadeiramente ao contrário do que pretendia a Diretiva sobre os Denunciantes. A sua adoção revela-se uma farsa para inglês ver. As velhas práticas intimidatórias orgulhosamente exibidas à luz do dia para que todos saibam que denuncias não serão permitidas e os denunciantes continuarão a ser punidos em vez de ouvidos.

Não admira que com esta cultura, com este ambiente institucional, o país continue a liderar os rankings de corrupção, de atraso científico, as faculdades não se afirmam como lugares seguros de aprendizagem antes dão a imagem de territórios de caça dos professores, de cultura racista e xenófoba. Sucessivos estudos internacionais assim nos posicionam. Uma imagem internacional que nos envergonha, mas que é realista.

A adoção da Diretiva dos Denunciantes (Whistleblowers) surge como mais uma, de tantas, oportunidades perdidas que Portugal tem tido nas últimas décadas. Oportunidades sucessivas que a cultura política dominante não permite que o país aproveite.