Raquel Brito, OBEGEF
A primeira vez que escrevi sobre a figura do denunciante decorria o ano de 2017, ainda em Portugal este era um caminho pouco ou nada percorrido.
O reconhecimento de que o crime é um problema indissociável da vida em sociedade não será um fenómeno recente, mas unânime sem dúvida. Em tempos idos (ou não), o crime foi já associado ao pecado, e o seu castigo uma punição divina. Atualmente esta visão deu lugar a outras formas de pensamento, de teorização e, por fim, de ação.
No clássico “Dos delitos e das Penas” é possível constatar o sentido da viragem entre o pensamento medieval e a “modernidade”. Pela sua contemporaneidade, os escritos de Beccaria, inscritos num ciclo de classicismo, transpõem para os dias de hoje grande parte da realidade. A qual se compadece, como todos percebemos, com uma dificuldade especial na aplicação de determinadas exigências legais.
Procura-se pelo direito penal o controlo social formal, moldando e condicionando comportamentos, contudo, não será o único, nem talvez o mais eficaz. Refletido por José Faria da Costa (2007) “…sem remédios não podemos lutar contra a doença, é evidente que a luta contra esta se faz antes sem, é óbvio, a utilização de fármacos.” Ou ainda, novamente em Beccaria (2007) “Mais vale prevenir os delitos que puni-los”.
Pelo que se pode entender que existem outros fatores que possibilitam, pela sua eficácia, afastar a injustiça e o crime do quotidiano das sociedades. Relevam fatores como a diminuição da pobreza, a igualdade social, o combate à fraude e à corrupção, entre outros. Neste sentido, numa área na qual os fenómenos se imiscuem entre o moralmente reprovável e o legalmente condenável, a fraude requer uma especial atenção.
Inúmeras são as definições e termos associados as estas condutas. Entre muitos outros, os autores Huberts e Lasthuizen (2006), procuraram um conceito abrangente que reflita sobre uma panóplia de comportamentos, nomeadamente, Corrupção: suborno; nepotismo, “cronyism”, “patronage”; Fraude e furto; Conflito de interesses (público e privados); Abuso de autoridade (alegando causas nobres); Abuso e manipulação de informação; Discriminação e assédio sexual; Abuso e desperdício de recursos
Certo é que a lista não termina aqui. E não carece de justificação todo e qualquer ato que vise a procura de formas de combate e mitigação dos danos provocados pela corrupção, seja pela investigação quer através do sistema jurídico e judicial.
Atualmente vivemos uma realidade bem diferente dos tempos da “punição divina”. A que a globalização trouxe novos desafios. Entre eles a preocupação de políticas mais globalistas. Na UE constata-se uma preocupação em uniformizar conceitos, legislação, sanções e procedimentos, emanando diretivas que serão transpostas nos países integrantes.
Neste contexto, à semelhança de muitos outros cenários tão distintos (e.g. Proteção de dados, agências de viagens e turismo - https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/17-2018-114832293 ) assistimos recentemente à transposição da Diretiva Europeia desenvolvendo novo Mecanismo Nacional Anticorrupção estabelecendo o regime geral de prevenção da corrupção, assim Portugal vê-se obrigado a adotar novas medidas anticorrupção https://ionline.sapo.pt/artigo/762690/canais-de-den-ncia-whistleblowing-?seccao=Opini%C3%A3o_i
Entre outras orientações (vinculativas), nesta diretiva é enquadrada e reconhecida a figura do denunciante. A Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro estabelece o regime geral de proteção de denunciantes de infrações.
A primeira vez que escrevi sobre a figura do denunciante decorria o ano de 2017 https://ionline.sapo.pt/artigo/563555/-soprador-de-apito-?seccao=Opiniao_i, ainda em Portugal este era um caminho pouco ou nada percorrido.
Pertence à consciência geral que a pouca transparência e a responsabilização na gestão pública e privada é um problema global e Portugal não é a exceção à regra.
Veremos o que de diferente resultará desta transposição.