Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
A invasão militar Russa na Ucrânia impôs prejuízos de valor incalculável: as vidas perdidas, o sofrimento de inocentes, o condicionamento da liberdade, a provável vitória de uma ditadura sobre uma democracia, e a destruição de património histórico.
Em termos económicos, praticamente todo o mundo perderá, mesmo que geograficamente distante. No contexto de globalização atual, o mundo económico está relativamente próximo, embora naturalmente percam mais os envolvidos e os seus principais parceiros. Os efeitos globais ainda não são completamente percebidos porque dependem da dimensão e do grau de destruição do conflito, do nível das sanções e contra-sanções, e do tempo que durar a invasão.
Para já, como expectável, as bolsas reagiram com perdas, com os investidores a fugirem dos ativos de risco e procuram refúgio em determinadas dívidas soberanas e no ouro. A escala do conflito gera incertezas no mundo e quebra a confiança de investidores, penalizando o investimento. Afeta, pois, negativamente a procura agregada, gera desemprego e prejudica o crescimento económico. Depois, a rutura com o fornecimento de gás natural e petróleo à Europa pela Rússia - quando já havia uma crise energética imposta pela pandemia e pela seca - contribui também para o aumento do preço desses bens e da eletricidade. Tal afeta negativamente a oferta agregada, penalizando também, por esta via, o emprego e o crescimento económico, e adicionalmente gera inflação. Por outro lado, ainda, a quebra expectável no fornecimento de bens alimentares influenciará positivamente o seu preço - a Rússia e a Ucrânia, juntas, produzem cerca de 30% de todo o trigo (e milho) mundial e são grandes produtores de fertilizantes -, o que também afetará a inflação e penalizará o crescimento económico.
Mais inflação numa economia impacta diretamente no poder de compra dos consumidores, leva à perda de competitividade, e deverá contribuir para que os bancos centrais aumentem as taxas de juro e, assim, se penalize ainda mais o consumo e o investimento. Adicionalmente, a desaceleração da generalidade das economias prejudica o comércio internacional e, portanto, as exportações. Acresce que a inflação de uma economia leva também à perda de competitividade dos produtos nos mercados internacionais, sendo a perda tanto maior quanto maior for o diferencial entre a taxa de inflação da economia e a dos parceiros comerciais.
Em termos de comércio internacional, a Rússia é o 5.º parceiro comercial da União Europeia, representando cerca de 5% das exportações e das importações europeias. O divórcio com um mercado com esta dimensão causará mossa nas exportações europeias. As maiores vendas à Rússia por parte das empresas europeias incidem sobre maquinaria e equipamento de transportes, produtos químicos e bens industriais. Por sua vez, a Europa importa da Rússia quase 40% do seu gás natural, além de 25% do petróleo e derivados, revelando alguma dependência nesta matéria.
Especificamente sobre o comércio externo Portugal-Ucrânia, a balança comercial tem sido desfavorável ao nosso país, mas a Ucrânia não se encontra entre os principais parceiros comerciais de Portugal: comporta cerca de 0,1% das nossas exportações e 0,3% das nossas importações. Nas exportações destacavam-se as Máquinas e Aparelhos (20,3% do total), a Madeira e Cortiça (17,1% do total), os Produtos Alimentares (14,7% do total), os Metais Comuns (11,2% do total), e as Pastas Celulósicas e Papel (8,4% do total). Nas importações prevaleciam os Produtos Agrícolas (68,7% do total), os Metais Comuns (23,3% do total), as Máquinas e Aparelhos (2,2% do total), a Madeira e Cortiça (1,9% do total), e os Produtos Alimentares (1,2% do total). Apesar de marginal, todo este comércio tenderá a desaparecer, pelo menos temporariamente.
Na relação comercial com a Rússia, a nossa balança comercial tem também sido desfavorável ao nosso país, sendo que comporta cerca de 0,3% das nossas exportações. Na estrutura das exportações destacam-se os Produtos Agrícolas (17,4% do total), a Madeira e Cortiça (17,2% do total), os Produtos Alimentares (15,7% do total), as Máquinas e Aparelhos (13,3% do total), e o Calçado (9,4% do total), pelo que previsivelmente estes exportadores terão de encontrar novos mercados. Na estrutura das importações destacam-se os Combustíveis Minerais (53,6% do total), os Produtos Químicos (14,7% do total), os Produtos Agrícolas (12,3% do total), os Metais Comuns (10,5% do total), e a Madeira (3,5% do total). Dados recentes revelam que a Rússia passou a ser o terceiro fornecedor de gás natural de Portugal, a seguir à Nigéria e aos EUA. Embora seja prematuro falar em dependência da Rússia no gás e não seja previsível uma disrupção no fornecimento a Portugal, é naturalmente certo que as novas aquisições serão a um preço mais caro.
Antecipando efeitos da guerra, para já, em Portugal, o preço do gasóleo aumentou 14,5 cêntimos (a mais expressiva das últimas duas décadas), superior ao da gasolina que foi de 8,5 cêntimos. Embora se trate de mercadorias já adquiridas anteriormente, tais aumentos são justificados com a evolução do preço do barril de petróleo e a valorização do dólar. A verdade, porém, é que esses aumentos acomodam também o aumento da carga fiscal que, em média, é agora de 80 cêntimos por litro. Efetivamente, os 14,5 cêntimos de aumento no gasóleo incluem 3 cêntimos a mais de impostos e os 8,5 cêntimos na gasolina integram mais 1,5 cêntimos de impostos, que o governo não perdoa. Por sua vez, o aumento diferenciado é justificado pelo facto de a Rússia ser um grande exportador de gasóleo para a Europa, pelo que os receios quanto ao fluxo de fornecimento está a assustar mais os que negoceiam gasóleo no mercado dos produtos refinados do que os que negoceiam gasolina.
Em suma, a loucura de alguns está a causar demasiado sofrimento a muitos e a afetar economicamente todos.