José Ferreira, OBEGEF

Sabendo da avultada soma que entrará nos cofres da nação, enquanto português, sinto-me apreensivo em relação à boa gestão da distribuição e aplicação das verbas.

A língua portuguesa é de uma riqueza léxica enorme e permite-nos, com a simples combinação de palavras, a produção de textos, mais ou menos eloquentes, com maior ou menor grau de adjetivação; e, por vezes, até com jogos e trocadilhos de palavras, como parece ser o caso do título desta crónica.

Garanto-vos, é mais do que isso. As palavras que se seguem, mais do que uma preocupação individual, são, infelizmente, a constatação de uma inevitável e ineludível realidade, que se abaterá, uma vez mais, sobre este belo país à beira-mar plantado.

Vem aí mais um tiro da bazuca europeia! De acordo com dados publicados e conhecidos, estima-se que Portugal receba, no total, ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), 13.944 milhões de euros em subvenções (aos quais se podem somar mais mil milhões) e cerca de 2.700 milhões na forma de empréstimos.

Ao refletir sobre o assunto, verifiquei que a diferença entre o que é oportuno e uma oportunidade não é assim tão grande. Contudo, o oportunismo, esse sim já é um conceito bastante díspar.

Com a aplicação da bazuca, estes são três conceitos que caminharão, inevitavelmente, lado a lado, com particular ênfase, não tenho dúvidas, para o oportunismo. O tempo encarregar-se-á de confirmar se os meus receios são ou não fundamentados.

Oportuno. Do latim opportunus, de acordo com o dicionário de língua portuguesa, “que vem a tempo ou a propósito”. (1)

É, pois, o que se pode dizer do momento em que chega a tão propalada bazuca, que é oportuno. Que vem num momento de necessidade e urgência na recuperação do tecido empresarial e comercial do país.

Olhando para as conjunturas, nacional e internacional, os milhões distribuídos a Portugal podem fazer (e farão certamente em alguns casos) a diferença entre a sobrevivência e prosperidade e a mais do que provável asfixia económica, ou mesmo falência de alguns negócios e empresas.

A revitalização de alguns setores da economia depende também, em grande medida, do dinheiro proveniente de Bruxelas para uma retoma que se pretende que inicie em breve e seja sustentada.

Podemos, pois, considerar que o momento de chegada da bazuca é, sem dúvida alguma, oportuno.

Oportunidade. Do latim opportunitas, por definição do dicionário de língua portuguesa, “conjunto de circunstâncias propícias a algo, num determinado momento”. (2)

O contexto atual é, pelos motivos sobejamente conhecidos, próprio para o recurso à ajuda comunitária, concretamente no âmbito do PRR e dos milhões disponibilizados, nas condições em que o são.

Trata-se de uma oportunidade clara para a obtenção de linhas monetárias de apoio em condições extremamente favoráveis e, em alguns casos, mesmo de verbas não sujeitas a qualquer reembolso.

Se bem aplicadas, as verbas podem contribuir para o reequilíbrio da economia e para a revitalização de alguns dos setores que foram mais afetados pela Pandemia. Em alguns casos, pode até funcionar como mola impulsionadora para uma atividade empresarial e comercial mais pujante. Podemos, por isso, atestar que a ocasião é propícia à obtenção de apoios.

Oportunista. Conforme dicionário de língua portuguesa, “que ou quem aproveita as oportunidades, normalmente sem precauções éticas”. (3)

Com particular tónica na falta de ética, os oportunistas são como os parasitas que se aproveitam dos sistemas onde habitam para beneficiarem, sem olhar a meios e sem escrúpulos, das condições propiciadas para o bem-estar comum, sugando-as em benefício próprio e em prejuízo do ecossistema.

Os oportunistas, tal como os abutres orbitam em redor de um cadáver ou moribundo, gravitam junto dos amigos e dos centros de decisão e poder, usando e abusando de jogos de influências, de compadrios, de acessos obtidos através de portas giratórias, sorvendo, sem pudor nem vergonha, até ao último cêntimo disponível.

Sabendo da avultada soma que entrará nos cofres da nação, enquanto português, sinto-me apreensivo em relação à boa gestão da distribuição e aplicação das verbas, pois esta é, sem dúvida alguma, uma oportunidade de ouro para que aqueles, os desprovidos de sentido ético e de honestidade negocial, vulgo, oportunistas, possam sacar (porque esta é a palavra certa), avultadas quantias de dinheiro.

Sabemos que foi criada a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, entidade que sob a coordenação do Ministério do Planeamento vai fazer a coordenação técnica e a monitorização da execução do PRR.  No entanto, sabemos que mecanismos de controlo, fiscalização e gestão de risco de corrupção foram implementados?

O atual/futuro quadro governativo nacional, com uma maioria que fará certamente aprovar o orçamento, permitirá, por um lado, agilizar os processos para atribuição e distribuição do dinheiro da bazuca nos diferentes planos de investimento já acordados. Por outro lado, poderá ser mais permissivo a erros, atropelos e compadrios. Caberá aos portugueses o escrutínio.

Não tenho dúvidas que o momento é apropriado, pois trata-se de uma injeção de capital absolutamente essencial na economia. Da mesma forma, tenho a firme convicção que é uma oportunidade de revitalização para o tecido empresarial. O que me preocupa são os oportunistas…

Concluindo, o momento é oportuno, e a oportunidade é claramente ótima e adequada, os oportunistas, esses, como sempre, aguardam serenamente que o dinheiro chegue para reivindicarem o seu quinhão.

(1), (2) e (3) In Dicionário de língua portuguesa, acessível em https://dicionario.priberam.org/