Daniel Aguiar Espínola, OBEGEF

A democracia e o combate à corrupção são indissociáveis. Somente atuando em conjunto possuem o poder de fornecer as soluções mais eficazes para os desafios da gestão pública.

Anos de esforços internacionais para construção e implementação de políticas de combate à corrupção podem estar ameaçados frente a constantes ataques ao estado democrático de direito atualmente em diversos países. Nesse sentido, Delia Rubio, Presidente da Transparência Internacional, nos traz uma reflexão fundamental: “a corrupção tem muito mais probabilidade de florescer onde as bases democráticas são fracas, e onde políticos populistas e antidemocráticos podem usá-la em seu proveito”.

Nos regimes democráticos a noção de separação de poderes, seus freios e contrapesos, a competição eleitoral, as eleições livres e justas e o controle judicial limitam e diminuem as oportunidades de líderes políticos e burocratas se envolverem em ações desonestas. Outro pressuposto básico de prevenção à corrupção presente nos ambientes democráticos é a promoção da accountability, ou da “prestação de contas”, característica de servidores e organizações públicas que são transparentes e responsivos ao controle social. Nas democracias maduras, uma maior accountability facilita o engajamento social e político de diversos grupos de interesses, incluindo organizações não governamentais, veículos de mídia, sindicatos e associações civis, que podem ter mais condições para denunciar atos de corrupção, sensibilizar a população sobre o tema e atuar como vigilantes dos governantes.

Logicamente, os sistemas democráticos podem experimentar diferentes formas e níveis de corrupção, mas, de forma geral, ela ocorre de maneira mais pronunciada em sistemas autoritários. As autocracias tendem a possuir um chefe ou grupo que controla fortemente o poder estatal, pluralismo político limitado, assim como promover perseguições a entidades da sociedade civil e empresas de mídia contrárias ao governo – todas as ações quase sempre acompanhadas de uma série de violações aos direitos humanos. A baixa accountability em regimes autocráticos acaba por incentivar diversos atos de corrupção, gerando uma distribuição indevida de recursos e benefícios a burocratas, empresas e grupos apoiantes do regime.

Nos sistemas políticos autoritários também ocorre de forma mais pronunciada a “captura de políticas” - quando as decisões sobre as políticas públicas são indevidamente direcionadas para interesses particulares. Segundo a Recomendação do Conselho da OCDE sobre Integridade Pública, de 2017, as capturas de políticas podem reduzir o crescimento económico e a confiança no governo, assim como exacerbar as desigualdades e minar os valores democráticos. O mesmo documento também reconhece que a garantia da integridade pública pelos países resguarda e reforça valores como a democracia pluralista, baseada no respeito aos direitos humanos.

Mas nem tudo são flores nos regimes democráticos. Os estudos mostram que a corrupção existe mesmo nas democracias mais estáveis ​​e bem-sucedidas. Com o tempo, à medida que os governos desenvolvem suas instituições e capacidades, a corrupção tende naturalmente a diminuir. Entretanto, a corrupção - ou pelo menos a perceção dela - pode aumentar à medida que esses países começam a desenvolver uma maior transparência nos financiamentos políticos, leis que facilitem o acesso à informação, proteções a denunciantes e a consequente ação de veículos de mídia investigativa com maior acesso aos dados governamentais.

Nesse ponto, cabe observarmos que mesmo que a democracia seja vista como um sistema preferível para se combater a corrupção, não são suas garantias constitucionais, unicamente, que exercem tal poder, mas sim instituições de controle sólidas, os atores e os processos por elas desenvolvidos para servirem de freios e contrapesos, incluindo o papel desempenhado por distintos partidos políticos e organizações não governamentais. Garantir recursos para o pleno funcionamento dessas instituições é tarefa fundamental dos regimes democráticos.

Também é interessante observarmos que, mesmo quando medidas anticorrupção são implementadas em sistemas não democráticos, isso não significa, necessariamente, que a corrupção será efetivamente combatida. Nesses tipos de regime, as intenções de tais medidas podem ser sequestradas e transformadas em ferramentas pelos autocratas para deslegitimar e conter a oposição política, restringir e disciplinar as instituições de supervisão e de controle e perseguir veículos de imprensa com viés oposicionista.

Nesse sentido, para garantir a sustentabilidade e a eficácia de longo prazo das medidas anticorrupção, devemos nos esforçar para que elas sejam promovidas em um ambiente democrático, afastando governantes e partidos que vislumbrem à autocracia. A democracia e o combate à corrupção são indissociáveis. Somente atuando em conjunto possuem o poder de fornecer as soluções mais eficazes para os desafios da gestão pública.