Ricardo Passos, OBEGEF
Aleatoriedade na distribuição e variedade e novidade dos magistrados são absolutamente necessários para um sistema judicial o mais justo possível.
Não teve grande impacto mediático a notícia em Julho de que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu suspender os juízes desembargadores Luís Vaz das Neves e Orlando Nascimento por suspeita de distribuição fraudulenta de processos no âmbito da Operação Lex. Mas deveria ter tido!
A aleatoriedade na atribuição dos processos aos juízes é condição necessária para a equidade do sistema judicial. Não consigo imaginar nenhuma razão aceitável para haver uma distribuição de processos a “pedido” que não seja a obtenção de uma vantagem pelo potencial controlo de uma decisão que caso fosse atribuído a outro juiz poderia ter um desfecho diferente.
“Equal Justice Under Law”, a frase gravada na entrada oeste do Supremo Tribunal dos E.U.A. foi inspirada num texto antigo do livro de Tucídides sobre “A História da Guerra do Peloponeso”. O discurso de Péricles na sua oração aos mortos da guerra destaca na grandeza de Atenas o facto que todos os cidadãos têm direito a justiça igual independentemente das suas diferenças. Se no espírito da lei é assim, na prática muitas das vezes não é verdade.
Para além deste caso evidente de corrupção, sabemos que quem tem mais recursos consegue obter vantagem nas interpretações da lei e na utilização de um conjunto de expedientes que ao comum cidadão lhe passam despercebidos. Atualmente, as maiores empresas de advogados para além de uma equipa com recursos competentes na área de direito, têm uma equipa de analistas e programadores informáticos os quais com recurso a ferramentas de machine learning recolhem informação sobre todo o tipo de casos e sobre quem os julga. Havendo casos suficientes, consegue-se determinar para cada magistrado um conjunto de indicadores sobre qual a argumentação que mais frutos colhe na sua avaliação (comportamento esperado) e como tal, utilizar esse conhecimento para a defesa dos interesses do cliente. Naturalmente esse conhecimento é uma vantagem, mas ainda assim acredito que perante os factos e não obstante a latitude na aplicação de penas que a lei prevê, a grande maioria dos juízes decida de forma correta.
Mesmo sem machine learning é do conhecimento geral que no Tribunal Central de Instrução Criminal o juiz Ivo Rosa é o desejado pelas defesas e o juiz Carlos Alexandre, pelo ministério público. O primeiro privilegia a forma e a correção na obtenção da matéria de facto e o segundo é mais liberal nos processos de obtenção de prova. Mas tal não impediu o juiz Ivo Rosa de considerar perante os factos presentes que temos um ex-primeiro ministro que mercadejou o seu cargo. No entanto, existem sempre comentários de suspeita sempre que um dado processo calha a A ou B. Aplaudo a intenção de integração do TCIC num tribunal maior, aumentando o número de juízes, o que certamente reduzirá o número de situações polémicas.
Aleatoriedade na distribuição e variedade e novidade dos magistrados são absolutamente necessários para um sistema judicial o mais justo possível. Precisamos de mais e novos magistrados sem ideias cristalizadas e sem comportamentos esperados para além do cumprimento da lei. Para além disso, mais magistrados podem contribuir para resolver o grande problema atual da justiça portuguesa: a celeridade (o mais concretamente, a falta dela).