Pedro Miguel Cunha, OBEGEF
Por isso, sem a implementação de mecanismos de prevenção e dissuasão do fenómeno da fraude, independentemente dos fundos comunitários que o país venha a receber, o crescimento económico nunca será aquele que todos ambicionamos.
Como nos revelou o professor de saúde pública e estatístico sueco Hans Rolling, com recurso a visualização de dados em realidade aumentada, a evolução dos indicadores de esperança média de vida, à nascença, e rendimento per capita, em paridade de poder de compra, no período que compreende 200 anos, desde 1810, não obstante todas as adversidades conhecidas, foi extraordinária. A taxa de mortalidade infantil, antes dos 5 anos, desceu de 44% para 4%. A esperança média de vida à nascença subiu de 30 para 70 anos A taxa de pobreza extrema desceu de 85% para 9%. Em contraponto com o nosso instinto mais dramático e pessimista, que conduz muitas vezes àquela frase muito repetida “as coisas estão cada vez pior”, podemos concluir que o mundo hoje é, no que respeita às condições gerais de vida das pessoas, muito melhor do que o de há 200, ou 20, anos atrás.
Em Portugal, a evolução foi também notável, no entanto, os dados revelam, no que respeita ao indicador rendimento per capita, uma desaceleração do seu crescimento no século XXI. No relatório semestral da Comissão Europeia dedicado ao nosso país, divulgado em fevereiro de 2020, no qual são avaliados os progressos realizados em matéria de reformas estruturais, é referido, por um lado, que o nosso desempenho não se traduziu em convergência com as economias mais avançadas da União Europeia, aliás, até divergiu, e, por outro, que os países que a integraram em 2004, Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, e República Checa, conseguiram, desde então, eliminar a diferença média de 17 pontos percentuais face ao rendimento per capita português.
Na consequência de sondagem realizada pela Intercampus, foi noticiado, em setembro de 2020, que cerca de 60% dos portugueses não confiam na boa gestão dos fundos a receber da União Europeia no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e do Quadro Financeiro Plurianual 2020-2027. Numa interpretação mais restrita, este resultado sugere que, na perceção dos inquiridos, primeiro, o aproveitamento das verbas recebidas da União Europeia no passado poderia ter sido bem melhor, e segundo, temem que, no futuro, os motivos de tal não venham a ser devidamente corrigidos. Mas, mais importante, numa interpretação mais ampla, indicia a falta de confiança dos portugueses, não apenas nas instituições intervenientes na gestão dos fundos europeus, mas também, em geral, nas pessoas que agem de forma consistente e em desacordo com as suas expectativas de comportamento positivo, quaisquer que sejam as interações económicas, as quais, na sua globalidade, consubstanciam a economia portuguesa. A confiança nos outros, que inclui estranhos e não apenas as pessoas que nos são mais próximas e que conhecemos, é normalmente designada de confiança generalizada, e o seu impacto no crescimento económico é, muitas vezes, esquecido e subavaliado.
Os dados sobre confiança generalizada são normalmente obtidos através de entrevistas com perguntas deste tipo: “Você diria que (1) a maioria das pessoas pode ser confiável ou (2) precisa ter muito cuidado a lidar com elas” .Se dermos atenção ao estudo Society at a Glance de 2016 da OCDE, no qual é apresentado um conjunto de indicadores económicos e sociais, verificamos que a percentagem de portugueses que responde confiar nos outros é de apenas de 19,17%, o que resulta num valor muito baixo quando comparado com os valores de 36,02% de média da OCDE, 74,92% da Dinamarca, 72,93% da Noruega, 67,42% da Holanda, e com os valores dos países da Europa do Sul, 29,60% da Itália, 27,01% da França, 20,66% da França, e 19,57% da Espanha. Com piores que Portugal só surgem: o Chile, o México, a Turquia e a Eslováquia. Conclusão: aqui não se fia! Mas a que se deve esta falta de confiança dos portugueses? Se entendermos a fraude como o comportamento, tendencionalmente intencional, ilegal ou não ético, de enganar os outros com vista à obtenção de um ganho particular, poderemos concluir que, quase por definição, a desconfiança generalizada em Portugal é, pelo menos em parte, consequência do fenómeno da fraude que se manifesta nas mais variadas situações da nossa vida em sociedade.
As investigações dos últimos anos sugerem um impacto significativo da (des)confiança generalizada no crescimento económico. Por si só, em exercício académico, com dados relativos ao período 1980 a 2009, consegue explicar cerca de 20% da variação do rendimento per capita entre países. É a base da cooperação entre pessoas fora do seu círculo familiar, e é fundamental nos processos de inovação e investimento. Por isso, sem a implementação de mecanismos de prevenção e dissuasão do fenómeno da fraude que façam subir os níveis de confiança generalizada do país, independentemente dos fundos comunitários que o país venha a receber, o crescimento económico nunca será aquele que todos ambicionamos.