Jorge Fonseca da Almeida, Ordem dos Economistas 

Portugal tem dificuldade em adaptar-se às regras dos mercados de capitais, aos padrões internacionais, e em organizar autoridades de supervisão modernas e atuantes que façam cumprir as leis e manter os mercados a funcionar em segurança. Este é um fator de atraso institucional, social e económico.

Muito já se escreveu sobre o caso BCP, a batalha pelo controlo da instituição que a fragilizou num momento em que a crise do subprime se abatia sobre os mercados financeiros e levou o Banco à beira da insolvência, sendo que só com o apoio Estatal conseguiu sobreviver, e cujas ondas de choque abalaram todo o sistema financeiro nacional.

Para sobreviver o Banco teve de encolher, vender a maioria das operações internacionais, reduzir drasticamente o número de sucursais em Portugal, despedir milhares de trabalhadores. Esse foi o preço dramático dessa batalha e do seu infeliz desfecho, o afastamento do Fundador e da equipa de gestão que do nada ergueram um banco relevante no contexto europeu sempre com centro de decisão português.

O Banco começou a sair da longa crise em que mergulhou com a entrada da Fosum, uma multinacional chinesa, que em boa-hora se tornou o maior acionista do Banco e o integrou na sua estratégia internacional. Perdeu-se um centro de decisão português, mas hoje apesar das dificuldades, a racionalidade estratégica é evidente.

Em artigo recentemente publicado na comunicação social António Maia, o Presidente do Obegef - Observatório de Economia e Gestão da

Fraude - define o testa-de-ferro como "aquele que, com ou sem o seu conhecimento ou consentimento, vê o seu nome ser associado a uma qualquer atividade ilícita ou criminosa, com a função de ocultar o(s) nome(s) daquele(s) que verdadeiramente lucram com o crime".

Esta definição pode ajudar-nos a perceber a atuação de muitos atores durante a batalha pelo controlo do BCP. Pode ajudar a perceber como é que várias entidades, empresas e empresários, conseguiram empréstimos de largas centenas de milhões de euros para compra de ações do BCP. Esses empréstimos foram concedidos por bancos públicos e privados sem que fossem exigidas garantias sólidas mas apenas com a contrapartida de que as próprias ações fossem dadas como penhor do crédito. Algo que vai contra as regras da prudência creditícia!

A definição pode ajudar também a perceber quem poderiam ser "aqueles que verdadeiramente lucram" com o ataque à instituição. Como dizem os americanos "follow the Money".

Essa batalha pelo controlo do BCP, já longínqua, para a qual é agora possível olhar sem as paixões do momento, mostra o falhanço das diversas instâncias de supervisão, que não intervieram para evitar e corrigir formas de financiamento tão volumosas e arriscadas que constituíam um forte risco sistémico que, infelizmente, se veio a materializar com consequências dramáticas para os portugueses, obrigados a suportar essas perdas, para o setor financeiro e para o investimento público e privado durante quase uma década. Mostra o falhanço das autoridades de supervisão em fazer cumprir as regras de um mercado prudente e bem administrado.

Se o risco destes créditos para compra de ações recaíssem sobre estes atores, nunca eles teriam participado nesta batalha, nunca se teriam movido para afastar os anteriores acionistas e os órgãos sociais da instituição. Isto é, se as regras tivessem cumpridas, esta batalha não teria ocorrido.

É também significativo que, estando o mercado financeiro aberto e internacionalizado, nomeadamente para empréstimos dos montantes evolvidos nestas operações - da ordem dos milhares de milhões - nenhuma instituição internacional se tenha associado a estas operações que foram financiadas por um número reduzido de entidades portuguesas.

O testa-de-ferro, sendo um bode expiatório de terceiros, não deixa de ser um cúmplice com muito a ganhar se a operação correr bem. E a este nível não se conhecem na experiência internacional intervenientes que atuem sem conhecimento do que estão a praticar.

 
 
 

Qual o papel de Joe Berardo nesta batalha? Não o sei. A Justiça o dirá.