Daniel Espínola, Jornal i
A gestão da integridade envolve unir processos de aprendizagem ética e fomento a uma cultura de valores
A integridade é um fator essencial para assegurar a confiança dos cidadãos nos governos e em seus representantes. Ademais, as políticas públicas, quando implementadas de forma íntegra, podem contribuir para redução de desigualdades e favorecer valores democráticos e o crescimento econômico[1].
A preocupação com a integridade é um fenômeno crescente na comunidade internacional. Os países e as empresas têm, cada vez mais, buscado a promoção de um ambiente global de negócios mais íntegroe seguro. Por meio de um conjunto de recomendações, acordos e tratados internacionais, os países e as organizações multilaterais têm incorporado a pauta da integridade através de princípios e boas práticas de gestão, de modo organizado e promovido sob uma estratégia comum nacional.
A partir desta ótica, em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elaborou a Recomendação sobre Integridade Pública[2], um documento que fornece aos formuladores de políticas uma visão estratégica sobre o tema, buscando uma abordagem comportamental, dependente do contexto, e baseada em risco, com ênfase no cultivo de uma cultura de integridade em toda a sociedade. Destaca-se no documento, um conceito de integridade pública: segundo a OCDE, refere-se ao alinhamento consistente e à adesão a valores, princípios enormas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público.
Assim, a OCDEreconhece que as iniciativas de promoção da integridade devem ir muito além de ações no âmbito do Poder Executivo local, mas também devem envolver iniciativas pelos Poderes Legislativo e Judiciário, assim como pela sociedade civil organizada e pelas empresas privadas. Cada um desses atores deve promover políticas próprias, e, ao mesmo tempo, atuar em sinergia, buscando estratégias comuns e complementares.
Segundo o Manual da OCDE para Integridade Pública[3], a integridade requer uma abordagem por toda a sociedade – isto é, não deve importar somente aos governos nacionais, mas também se permear para os entes subnacionais, como os municípios, onde os indivíduos vivenciam a integridade – ou a ausência dela – de forma mais próxima. Para a OCDE, garantir a integridade em municípios pode contribuir para maximizar os potenciais de negócios, arrecadação, assim como investimentos públicos e privados, tanto estrangeiros como nacionais.
É importante destacar que a noção de integridade, tal como promovida e implementada pelos governos nacionais, não se difere, em essência, da que também deve ser estabelecida para entes subnacionais. Seus princípios e instrumentos são, basicamente, os mesmos, assim como as ações necessárias para garanti-la, tais como a gestão da ética pública, a criação e fortalecimento de funções de controle interno, a promoção da accountability e o controle social. Entretanto, a gestão da integridade nos entes subnacionais, como municípios, é bastante peculiar e heterogênea, assim como os problemas específicos que tais entes apresentam. Frente à realidade latino-americana, mas, em alguns pontos, também aplicável a outros países, como Portugal, a OCDE[4] apontou alguns desafios:
- Capacidades, recursos técnicos e financeiros limitados;
- Independência e eficácia limitada dos órgãos de controle locais;
- Laços estreitos entre as elites empresariais e as elites políticas, levando a práticas clientelistas;
- Fraca presença do Estado em áreas rurais remotas;
- Fragilidades na sociedade civil local organizada (baixa capacidade, capturade grupos da sociedade civil etc.) o que dificulta a accountability local;
- Fracos arranjos de governança para coordenar as prioridades e alinhamento de objetivos, afetando a eficiência dos investimentos e gastos públicos.
Ao mesmo tempo em que enfrentam tais adversidades, os entes subnacionais possuem responsabilidades pela prestação de grande parte de serviços públicos que impactam diretamente o cotidiano dos cidadãos, tais como a prestação de serviços nas áreas de educação, saúde, segurança, gestão de resíduos, planejamento urbano, trânsito e transporte coletivo, concessão de alvarás, licenças, autorizações etc. Governos municipais também podem ter níveis mais elevados de investimentos com alto risco, como políticas sociais, ou grandes contratos públicos, que exigiriam medidas adicionais de controle. Logo, as oportunidades para certos tipos de corrupção nesses entes podem ser até mais pronunciadas do que observadas em nonível nacional, fazendo-se necessária uma abordagem personalizada para a gestão da integridade em entes subnacionais, de acordo com seus portes, riscos e necessidades.
Relativamente ao Poder Executivo local, a integridade deve ser uma política implementada por toda a gestão pública, perpassando pela alta gestão (chefe do Poder Executivo, secretários etc.), pelas organizações públicas e demais atores (empresas, sociedade civil organizada, usuários de serviços, cidadãos em geral etc.). Entretanto,a principal responsável pela criação e monitoramento das políticas de integridade é a alta gestão, devendo sempre demonstrar exemplos de conduta ética, agir imediatamente no caso de falhas e receber informes regulares sobre o tema.
A concretização da integridade pública pode ocorrer por meio da criação de políticas e procedimentos com a finalidade de construir e fomentar uma cultura ética, transparente e participativa na administração pública. Além de novas regulamentações, é importante ressaltar que a gestão da integridade envolve unir processos de aprendizagem ética e fomento a uma cultura de valores com o reforço de regras e procedimentos, prevenindo, detectando e remediando eventuais desvios. Em outros termos, não basta somente que os governos implementem um conjunto pré-determinado de regras e modelos, mas que de fato
[1] https://www.oecd.org/gov/ethics/integrity-recommendation-brazilian-portuguese.pdf
[2] https://www.oecd.org/gov/ethics/integrity-recommendation-brazilian-portuguese.pdf
[3] OECD (2020), OECD PublicIntegrity Handbook, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/ac8ed8e8-en.
[4] OECD (2018), Integrity for GoodGovernance in LatinAmericaandtheCaribbean: FromCommitmentstoAction, OECD Publishing, Paris. https://doi.org/10.1787/9789264201866-en