Rute Serra, Expresso online (125 26/05/2021)

 

Como podem as organizações públicas proteger o que é de todos, entregando a cada um de nós o melhor possível?

O conceito de boa governação gravita em torno de um único axioma: a entrega ao cidadão de valor público. Múltiplas teorias da ciência da administração pública surgiram ao longo das últimas décadas, todas assinalando diferentes modelos na direção daquele desiderato. Desde a gestão tradicional típica de cariz burocrático, passando pela denominada nova gestão pública que ensaiou uma aproximação à estratégia privada, centramo-nos atualmente na conceção da gestão do valor público, a qual valoriza o interesse coletivo em detrimento do cidadão-cliente, procurando conciliar valores democráticos como sejam os da imparcialidade e da igualdade, no resultado da sua atuação.

Como podem as organizações públicas proteger o que é de todos, entregando a cada um de nós o melhor possível? A resposta a esta pergunta levar-nos-ia longe, muito para além do espaço desta crónica. Ancoro-me por isso na conhecida teoria da dialética de Hegel: ““tese, síntese e antítese”, a qual nos auxilia na explicação de que o processo que conduz ao estágio de boa governação não é um processo estático. Ao invés, é um processo dinâmico que deve a todo o tempo ser devidamente avaliado, monitorizado e corrigido sempre que necessário.

Transpondo aquela teoria para o tema que nos ocupa, diremos que políticas públicas eficientemente gizadas permitirão às entidades encarregues da sua execução definir a sua estratégia com grau de probabilidade forte de rigor para com fatores de sustentabilidade económica, social e ambiental. Através da capacitação interna e do fomento de um ambiente organizacional íntegro e recetivo, as organizações públicas dotar-se-ão dos instrumentos fundamentais à otimização do resultado da sua ação. Mantendo o foco na resiliência dos seus sistemas de controlo interno, através de uma adequada gestão dos riscos organizacionais, estarão aptas a corrigir, em tempo, desvios detetados. Por fim, prestarão efetivas e transparentes contas ao cidadão, sem receios que o saldo a apresentar seja negativo.

Este novo paradigma de uma gestão direcionada para a criação de valor público adapta, invertendo de certo modo a ordem dos fatores, a aproximação antes direcionada para os conceitos da gestão privada. Isto é dizer que o que atualmente se reclama é que as entidades privadas deem o seu contributo ativo à eficiência da gestão pública, comprometendo-se na prevenção, deteção e repressão da corrupção, reforçando a articulação entre instituições públicas e privadas.

Como? O trilho encontra-se definido na Estratégia Nacional Contra a Corrupção, a qual prevê a aprovação de um Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) que irá determinar a necessidade de implementação, pelas empresas de média e grande dimensão, de planos de prevenção ou gestão de riscos (já amplamente utilizados na gestão pública), de códigos de ética e de conduta, de canais de denúncia e a designação de responsáveis pelo respetivo cumprimento normativo. Ao prever que o inadimplemento das empresas possa ser alvo da aplicação de coimas e de sanções acessórias, dá-se um sinal importante sobre a seriedade do objetivo, que é, de facto, um compromisso que deve ser de todos nós.

Clamar insistentemente contra a corrupção para de seguida depositar, numa cega confiança por vezes inconsciente, na esfera de atuação de entidades públicas e privadas, a responsabilidade única pela eficácia da missão, corresponde à nossa demissão cidadã. Reflitamos todos por breves momentos, nisto. E, sem delongas, passemos à ação.