Mário Tavares da Silva, Expresso online (126 02/06/2021)
A existência de agentes dotados de elevados padrões ético-deontológicos na Administração Pública é, talvez, a mais nobre condição para uma efetiva, eficaz e desejável redução dos riscos de corrupção.
É verdade! O diabo, por vezes, está mesmo nos detalhes. Vem isto a propósito do importante desafio lançado às entidades públicas pela Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024, no sentido de direcionarem, de forma mais atenta e aditivada, os seus planos internos de formação, para o exigente domínio da ética e da deontologia.
Não é, nessa medida, com surpresa que se assiste, e ainda bem que assim é, a um claro esforço por parte das entidades públicas em intensificar, gradativamente, de forma muito clara aliás na última década e num exercício gestionário nem sempre fácil de levar a cabo dadas as restrições orçamentais que muitas vezes enfrentam, os seus planos formativos dirigidos aos respetivos colaboradores, dotando-os, com opções de geometria muito variável, de importantes ferramentas, suscetíveis de os habilitar a melhor enquadrar aquilo que deles é esperado enquanto servidores do Estado e, naturalmente, de todos os seus concidadãos.
Mais do que cultivar a integridade nas entidades públicas através de importantes e laboriosos documentos de natureza ético-comportamental, cuja importância não deve em circunstância alguma ser menorizada, constitui responsabilidade dos seus dirigentes promovê-la, de forma efetiva, trabalhando-a com os seus colaboradores e, sobretudo, dando-lhe corpo, textura e dimensão e, sem tibiezas, assumindo-a como uma das mais importantes competências e exigências funcionais a exigir a um qualquer colaborador do Estado.
Na realidade, a existência de agentes dotados de elevados padrões ético-deontológicos na Administração Pública é, talvez, a mais nobre condição para uma efetiva, eficaz e desejável redução dos riscos de corrupção no seu seio.
A desejável exigência formativa deve, naturalmente, percorrer todo o ciclo jurídico-funcional pelo qual os colaboradores públicos passam (independentemente da sua carreira ou função), indo desde o simples ingresso em determinadas profissões até à nomeação para determinados cargos, muitos deles, note-se, a reclamarem padrões ético-deontológicos ainda mais elevados.
As provas de admissão para determinadas carreiras devem mesmo, em nosso entender, incluir módulos capazes de aferir, numa fase logo embrionária, de forma clara e objetiva, qual o perfil funcional e ético-deontológico dos diferentes candidatos.
Diria até que para determinadas carreiras, como as relativas ao exercício de funções de controlo ou de investigação criminal, nos seus mais diferentes níveis de intervenção, essa aferição dever assumir natureza obrigatória.
Uma espécie de kit mínimo no plano ético que qualquer candidato deveria preencher, como incontornável condição de ingresso nessas mesmas carreiras.
Essas preocupações de aferição não se esgotariam, em circunstância alguma, no momento inicial, devendo acompanhar os colaboradores públicos ao longo das suas carreiras e, em particular, sempre que as vicissitudes funcionais ou os padrões de risco a elas associadas, assim o aconselhassem.
A formação dos colaboradores públicos ganharia com redes partilhadas de conhecimento e troca de experiências entre diferentes entidades com idêntica natureza e similar perfil de risco. Neste particular, a formação com recurso a dilemas pode, naturalmente, constituir uma mais valia, devendo ser fortemente incentivada.
É que, como todos bem sabemos, o dilema (hard case) é sempre o mais difícil de resolver pois, como aliás comecei por dizer, o diabo está nos detalhes e estes, por muito que queiramos, nem sempre estão ao virar da esquina…