Jorge Fonseca da Almeida, Diário de Notícias
Portugal abriu as suas portas ao turismo numa fase em que se está a formar no nosso país uma nova onda da pandemia provocada pela nova estirpe indiana e por uma variação desta descoberta no Nepal, prosseguindo uma estratégia assente na prática em dois pilares.
Primeiro. Prosseguir o desconfinamento contra as regras aprovadas pouco antes pelo próprio Governo, flexibilizando essas regras (limites duplicados para quase todo o país, contagem dos casos algarvios no concelho de origem, etc.), e desvalorizando o crescimento de estirpes como as descobertas na África do Sul, Índia e Nepal.
Recordemos que a vacina da AstraZeneca não é eficaz contra a variante descoberta na África do Sul, tendo até sido descontinuada nesse país, e que várias pessoas vacinadas com as duas doses da AstraZeneca morreram no Reino Unido da doença provocada pela variante descoberta no Nepal.
Como argumento para o desconfinamento na região de Lisboa, avança-se o baixo número de mortos que se tem registado, mas todos sabem que as pessoas infetadas não morrem imediatamente e que a doença se vai agravando ao longo de semanas. Só saberemos se o número de mortos subirá ou não em meados de Agosto.
Segundo. Não aplicação das regras sanitárias aos turistas, permitindo grandes ajuntamentos, festejos exuberantes e até batalhas campais na cidade do Porto perante a passividade da Polícia.
O primeiro pilar da estratégia descredibilizou o desconfinamento português aos olhos da comunidade internacional. O segundo pilar acompanhado pelo facto de alguns turistas ingleses regressarem infetados com a perigosa variante descoberta no Nepal ditou a decisão tomada pelo Reino Unido.
A Espanha manteve-se fechada ao turismo, desconfinando de forma lenta e quando recentemente se abriu a viajantes fê-lo apenas a quem já está vacinado. Espera-se agora uma grande afluência de turistas. A forma como forem enquadrados ditará se o fluxo se manterá constante.
O que o Governo parece não entender é que a pandemia cria um ambiente de responsabilidade internacional partilhada. Um descontrolo em Portugal pode levar a mortes em França ou no Reino Unido.
A bolha que se está a formar é a dos países em que é seguro viajar, dos países a que se pode ir sem correr o risco de voltar infetado e iniciar novas cadeias de transmissão no país de origem do viajante. Manter uma indústria de turismo forte implica integrar este grupo. Mas parece que o Governo tudo faz para o evitar.
Portugal com a excessiva vontade de receber todos os turistas, de os deixar praticar todos os excessos, com a sua baixa taxa de vacinação face a outros destinos, cria uma sensação de insegurança que afasta o turista sensato.
Todas as declarações inflamadas contra a decisão britânica mais contribuem para nos mantermos fora das opções turísticas desse país. Não houve um único argumento de garantia de saúde pública, antes até a declaração de que Portugal está disponível para receber turistas de países com mais altas taxas de infeção com estirpes resistentes a certas vacinas. É no fundo toda uma estratégia contraproducente. Querendo apoiar o turismo, afasta-o.
O que é avisado fazer? Recordamos aqui algumas das ideias que anteriormente avançamos:
i) Aumentar rapidamente a vacinação na Madeira e no Algarve, nomeadamente nos trabalhadores da indústria hoteleira e do comércio, quer para sua proteção quer para proteção dos turistas;
ii) Ser exigente com os turistas entrados, quer no cumprimento de regras sanitárias, quer no seu estado de saúde à chegada ao nosso país;
iii) Concentrar-se no segmento dos casais com e sem filhos, evitando os jovens desacompanhados, ou os maiores de 70 anos;
iv) Proibir o turismo em zonas de pandemia ativa, em que os indicadores não permitam o desconfinamento;
v) Manter regras estáveis, e alinhadas com padrões internacionais, de controlo e acompanhamento da pandemia.
A imagem de facilitismos e de falta de autoridade para fazer cumprir as regras só afastam os turistas que mais nos interessa e atrai os que não interessam e que vêm por em risco a nossa saúde.