Óscar Afonso, Expresso online (124 19/05/2021)

 

A Faculdade de Economia do Porto e a Universidade de Saint Gallen, na Suíça, em colaboração com uma rede internacional de parceiros e instituições académicas, lançou esta quarta-feira um Índice de Qualidade das Elites

Todas as sociedades são dominadas por elites, indivíduos com capacidade de coordenação dos recursos disponíveis nessas sociedades, sejam humanos, financeiros, naturais, o conhecimento, e todos os outros. As elites determinam, por essa via, o crescimento económico e o desenvolvimento humano das sociedades em que se inserem.

Hoje quarta-feira, dia 19 de maio, a Faculdade de Economia da Universidade do Porto, representada por mim e pela minha colega Cláudia Ribeiro, e a Universidade de Saint Gallen, na Suíça, em colaboração com uma rede internacional de parceiros e instituições académicas, acabam de lançar o Índice de Qualidade das Elites (EQx) 2021, um ranking internacional de economia política que fornece uma visão dos sistemas de elites nacionais e da criação de valor esperada num mundo pós-COVID. Na verdade, trata-se do primeiro índice mundial que mede a qualidade das elites pela forma como as suas ações e as diferentes abordagens na geração de riqueza favorecem ou dificultam o progresso do seu país.

É verdade que a avaliação da qualidade das Elites é um tema recorrente ao longo dos tempos, e que é de difícil mensuração se a perspetiva a adotar passar pela identificação individual dessas elites e a posterior medida da sua qualidade. O índice agora atualizado contorna esse problema na medida em que avalia o grau de contribuição agregada para a sociedade das elites nacionais. É aqui que reside o seu caráter verdadeiramente inovador. Em vez de medir diretamente a qualidade das elites, o que é virtualmente impossível, fá-lo de forma indireta medindo as consequências agregadas das suas atuações.

No desenvolvimento das suas atividades as elites exploram modelos de negócio para a acumulação de riqueza. Assim, elites de elevada qualidade seguem modelos Criadores de Valor que dão à sociedade mais do que dela retiram (desenvolvem atividades produtivas potenciadoras de riqueza). Nesse processo, aumentam também a sua riqueza individual. É um win-win game em que todos ganham.

Pelo contrário e no outro extremo, elites de baixa qualidade, desenvolvem modelos de extração de valor baseados na transferência de valor de um subconjunto da sociedade para outro (o que na terminologia anglo-saxónica se designa por rent-seeking). Estão comprometidas em fazer aumentar a sua riqueza individual à custa de valor criado por outros, apropriando-se de mais valor do que aquele que criam para a sociedade. Isto acontece em modelos de negócio baseados em monopólios, em tarifas aduaneiras protecionistas ou em modelos subsídio-dependentes. Estas situações representam verdadeiros entraves ao progresso das sociedades.

Para além da capacidade de criação de valor, o poder concentrado nessas elites é ainda outro fator condicionador do desenvolvimento futuro das sociedades. A ele corresponde a capacidade das elites fazerem prevalecer as suas preferências e interesses por intermédio das instituições que dirigem (ou que influenciam). Este poder encerra um potencial de extração de valor no futuro. Digamos que este poder é condição necessária, mas não suficiente, para proliferação futura de modelos extrativos de valor.

No ranking agora divulgado, Singapura ocupa o 1º lugar, afirmando-se como a cidade-estado cujas elites empresariais criam mais valor para o planeta, seguindo-se a Suíça (2º lugar) e o Reino Unido (3º lugar). Por sua vez, os EUA mantêm a sua posição (5º lugar) e a Alemanha cai do 3º lugar em 2020 para o 15º em 2021. Já Israel obteve os maiores ganhos no EQx2021, subindo a classificação global para 7º lugar.

Uma dimensão fundamental na atualidade é o desempenho das elites em relação à gestão da pandemia da COVID-19. No EQx2021 constata-se que elites de maior qualidade, como Singapura (1º lugar), Suíça (2º lugar), Israel (7º lugar), Noruega (8º lugar) ou a Nova Zelândia (13º lugar), têm sido mais capazes de proteger o seu país dos impactos sanitários e económicos da COVID-19.

A China (26º) destaca-se com uma pontuação EQx tão elevada como a das nações avançadas. Acredita-se que, no período pós-COVID, a criação de valor das elites chinesas irá impulsionar o crescimento do país e do mundo, durante pelo menos uma década, se não mais.

E Portugal? Infelizmente, o nosso país apresenta uma trajetória descendente comandada pelo problema da criação de valor. Entre 1986 e 2000, a economia portuguesa teve um bom desempenho, convergindo em termos reais com a média da União Europeia (UE). Quando o país aderiu ao Euro, beneficiou de taxas de juro baixas, mas a adesão provou ser uma espada de dois gumes. Portugal foi-se endividando à medida que as taxas de juro caíam. Além disso, o seu desempenho económico deteriorou-se devido a sucessivas perdas de competitividade, à medida que os custos laborais aumentaram em resultado do Euro. Assim, na sequência da crise financeira de 2008-2010, Portugal teve de pedir ajuda externa. Atualmente, o nível do PIB per capita está abaixo da média da UE e a economia não apresenta uma trajectória real de convergência, como deveria. A fraca competitividade externa, os elevados níveis de endividamento, a estrutura especializada de atividades orientadas para o mercado interno, e a fraca qualidade institucional são quem mais contribuiram para isso.

Dado este contexto, não é surpreendente que Portugal esteja abaixo da média da UE no EQx, ocupando o 14º lugar entre os 25 países da UE avaliados, e o 28º entre os 151 países considerados. Entre os países da UE incluídos na amostra já foi ultrapassado pelos países mais dinâmicos da Europa de leste (Estónia, República Checa, Lituânia e Eslovénia). Assim, a menos que a criação de valor seja melhorada, a trajectória descendente deverá naturalmente continuar.

Se olharmos com mais detalhe para o EQx, as pontuações obtidas pelo país revelam disparidades significativas entre as quatro Áreas de Índice. Portugal apresenta o seu melhor desempenho em termos de Poder Económico (8º lugar) e o pior desempenho em termos de Valor Económico (54º lugar), fruto da fraca produtividade da economia. As posições intermédias são alcançadas em termos de Poder Político (19º lugar) e Valor Político (31º lugar), pelo que o valor criado está aquém da partição do poder.

Assim, em termos médios, Portugal sai-se melhor no Sub-Index do Poder (12º lugar) do que no Sub-Index do Valor (42º lugar), o que aponta para que seja uma economia extrativa – a um poder das elites aparentemente disperso não corresponde uma criação de valor partilhada com a sociedade.

O relativamente bom desempenho de Portugal em termos de Poder Económico (8º lugar) deve-se ao Pilar da Destruição Criativa (14º lugar), e mais especificamente a facilidade de entrada e saída das empresas do mercado. Portugal beneficia também do facto de ser uma pequena economia muito aberta ao exterior e que acolhe um nível de investimento directo estrangeiro significativo.

O fraco desempenho do país em termos de Valor Económico (54º lugar) deriva da sua baixa posição tanto no Pilar do Valor do Capital (74º lugar) como no Pilar do Valor Laboral (79º lugar). O capital não é eficientemente utilizado para criar valor, provavelmente porque existe uma carga fiscal significativa. O fraco valor do trabalho deve-se à taxa muito elevada de desemprego juvenil, a uma fraca taxa de participação da força de trabalho na atividade produtiva, e ao fosso salarial entre géneros.

O 19º lugar obtido por Portugal na Área do Índice de Poder Político deve-se à partilha de soberania com a UE, ao municipalismo e ao poder das entidades locais institucionalizadas nas Comissões de Coordenação Regional e nas Regiões Autónomas. Além disso, a imposição de quotas para promover a diversidade de género em posições políticas, no sector empresarial estatal, e em empresas cotadas em bolsa também contribui para um bom desempenho nesta área.

O país ocupa a 30ª lugar em termos de Valor Político, principalmente devido ao fraco desempenho no Pilar Rendimento (38º lugar) relacionado com a promoção da equidade. De salientar aqui a fraca redistribuição do rendimento para compensar as disparidades regionais, resultado de uma fraca inclusão territorial. Também são de salientar a baixa qualidade dos serviços públicos, o fraco acesso à Internet em parte do território, a fraca promoção da equidade em geral, e a elevada taxa de mortalidade associada à COVID-19. De salientar também a fraca classificação causada pelo peso significativo da carga fiscal, especialmente sobre as empresas, o que contribui para a fraca competitividade global da economia portuguesa. Finalmente, a baixa classificação obtida deve-se também ao enorme peso da dívida pública em proporção do PIB, o que remete para uma forte extração de valor das futuras gerações e é uma armadilha em que o país caiu em resultado das já mencionadas baixas taxas de juro.

Para concluir, pode dizer-se que Portugal está atualmente numa trajetória descendente, especialmente no quadro de referência da UE. A situação que certos indicadores evidenciam; em particular, a desigualdade territorial, o peso da dívida pública, a baixa produtividade e o desemprego dos jovens, revelam conjuntamente uma economia incapaz de se apoiar em modelos empresariais de criação de valor. Sem uma transformação dos modelos empresariais de elite, há, pois, motivos de preocupação.

Por fim, refira-se que as pontuações comparativas dos países e as classificações globais proporcionam uma visão do futuro das sociedades, sendo o EQx concebido para funcionar como um recurso para os líderes empresariais e políticos compreenderem como as suas ações afetam a sociedade em geral.