Pedro Moura, Expresso online (121 28/04/2021)

 

 

A fraude e a corrupção não irão desaparecer nunca. Mas podem ser mitigadas e reduzidas. Prevenir pela dissuasão é provavelmente a melhor estratégia

A principal forma de impedir fraude e corrupção é a dissuasão, ou seja, assegurar que quem se sinta tentado a obter vantagens indevidas saiba que a probabilidade de ser apanhado e punido é elevada. E quanto mais esta perceção for partilhada socialmente, mais eficaz o seu efeito sobre cada um.

Atente-se ao caso dos impostos. Com os desenvolvimentos da AT nos últimos anos veio um aumento brutal na perceção geral de uma maior eficácia e eficiência por parte ‘máquina’ tributária. Pese os possíveis exageros nesta ‘eficácia’, o certo é que cada cidadão e empresa terá hoje em dia muito mais reservas no que toca a ‘fugir aos impostos’, devido à perceção de que será inevitavelmente apanhado.

Há que nota que esta perceção da eficácia da AT está longe da verdade em termos reais, pois continua a haver muitas formas de aldrabar o fisco, como qualquer entendido vos poderá dizer.

No entanto, esta mudança na perceção do risco/benefício de se tentar fugir aos impostos funciona melhor no que toca à diminuição de fraude tributária que qualquer batalhão de inspetores fiscais a varrer declarações de impostos em buscar de falcatruas.

Uma das regras de ouro do combate à fraude e corrupção é que a prevenção, ou seja, impedir que um ato danoso ocorra, é esmagadoramente mais eficaz que a deteção e punição destes fenómenos após a ocorrência dos atos. Após o leite derramado pouco mais resta que chorar.

Infelizmente o Estado não segue em muitas áreas o que fez com sucesso na AT, continuando a assentar o combate a fraude e corrupção sobretudo nas fases de deteção e punição, ou seja, depois do ato perpetrado, com enormes esforços de recursos humanos, burocráticos e legais. É natural que desta forma nunca haja ‘recursos’ (humanos ou outros) disponíveis em quantidade suficiente. Um único ato fraudulento necessita de uma equipa para ser devidamente tratado.

O próprio termo ‘combate’ lembra uma atitude ativa, guerreira, de afrontamento por uma ofensa. Talvez se devesse passar a usar mais ‘prevenção’, em vez de ‘combate’.

Atenção que não defendo que não se devam melhorar os processos e mecanismos de deteção e punição de fraude. Pelo contrário. Até porque é sobretudo na perceção generalizada da eficácia da deteção e punição que assenta grande parte da capacidade de prevenção através da dissuasão.

Com a vinda do PRR vem também a noção que há muita gente com a faca afiada para tentar meter indevidamente a mão nos avultados montantes que irão estar disponíveis. Há um pequeno exército de ‘profissionais dos incentivos’ disponível para tal, com perfeito domínio do ‘candidaturês’ e um talento natural para esquemas de sifonamento de dinheiro em despesas inexistentes ou em bens que já existam, faturação triangular com empresas de ‘amigos’ e outras artes que tais.

O PRR é uma excelente oportunidade de aplicar o que refiro acima, aumentando a eficácia da prevenção e combate a fraude e corrupção, e maximizando os recursos disponibilizados para projetos de efetiva criação de valor. Deixo de seguida alguns princípios que julgo da maior relevância para uma estratégica efetiva neste domínio:

  • Simplicidade: os processos de atribuição, monitorização e avaliação de resultados devem ser o mais simples possível. Exigência e rigor não são sinónimo de complexidade e dossiers de papelada. O fraudulento persevera nos labirintos e exceções que o burocrata cria.
  • Transparência: deve estar disponível publicamente o máximo de informação possível sobre as empresas, candidaturas, execuções e resultados. Há já alguma informação disponível, mas a um nível ainda muito superficial. Quais os impactos em cada empresa dos incentivos e subsídios a que já teve acesso? Quais as empresas fornecedoras às quais as empresas beneficiárias recorreram, e quais os montantes envolvidos? Quais os acionistas e beneficiários últimos das empresas, quer das executoras quer das fornecedoras? Quais foram os avaliadores (e respetivas avaliações) para atribuição dos incentivos? Bem sei que algumas das sugestões anteriores possam ser polémicas, mas para mim é bem mais polémico o desperdício que a fraude e a corrupção causam.
  • Automatização: só através da aplicação devida de processos de automatização tecnológica é possível aumentar a capacidade de deteção de situações anómalas aos níveis desejados. O processamento cruzamento de dados faz-se instantaneamente, sendo impossível a um corpo de ‘fiscalizadores’ ter qualquer tipo de eficiência similar. Além de que o ‘fiscalizador’ é humano, logo corruptível. A falta de recursos humanos para tarefas inspetivas leva a uma reduzida perceção da probabilidade de se ser ‘apanhado’. Os recursos humanos necessitam de ajuda das máquinas para se poderem focar nas tarefas mais relevantes, em que a tecnologia não chega.
  • Comunicação: Tudo o que refiro acima se houver uma estratégia de comunicação bem pensada para aumentar a perceção de que o PRR vai ser gerido de forma diferente, menos burocrática, mais transparente e bastante mais automatizada. Tem de se publicitar os mecanismos de deteção de fraude, e é necessário que os casos confirmados de fraude / corrupção sejam também divulgados, para mostrar consequência. Atenção que falo aqui de ‘Comunicação’, não de ‘Propaganda’, não de poleiro de exibição mediática para gente deslumbrada com as luzes do palco. Desses já temos bem mais que os necessários.

Milhares de milhões de oportunidade. Experiência prévia e conhecimento das nossas falhas e defeitos. Haja vontade para fazermos frente ao nosso tradicional encolher de ombros, evitar o eterno ‘é o que é’, pararmos de ser parvos e fazermo-nos melhores que o que somos.

A fraude e a corrupção não irão desaparecer nunca. Mas podem ser mitigadas e reduzidas. Prevenir pela dissuasão é provavelmente a melhor estratégia.