Nuno Magina, Jornal i
"A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta
“Vê-se grandes coisas a partir do vale; e somente pequenas coisas a partir do cume” (Gilbert Chesterton). Tudo depende da perceção de cada um, necessariamente condicionada pelo contexto em que se insere. A julgar pelo Global Corruption Barometer publicado em junho de 2021 pela Transparency International, mediante o qual foram inquiridas mais de 40 mil pessoas em 27 países da Europa, o fenómeno da corrupção em Portugal aumentou 41% nos últimos 12 meses. Pior que isso, 88% das pessoas acreditam que existe corrupção dentro do próprio governo. A juntar a isso há o inglório ranking de Portugal no Corruption Perceptions Index, o índice mais utilizado a nível mundial para medira corrupção no setor público. Em 2020, Portugal ocupava a 33.ª posição entre 180 países, descendo três posições em relação a 2019.
Muitos poderão dizer que estes resultados traduzem uma realidade distorcida e que, como tal, são irrelevantes. Que não passam duma perceção errada, porventura resultado de uma onda de manchetes sobre casos de corrupção. Outros, em contraposição, dirão que esses barómetros são uma imagem fiel do nosso país, que a corrupção cresce a níveis assustadores. Na realidade, poderia escrever vários artigos de opinião tanto a favor como contra. Ora, mais do que discutir a assertividade desses indicadores, importa refletir sobre as suas reais consequências para a frágil democracia portuguesa.
O debate sobre o flagelo da corrupção é dado a populismos e movimentos nacionalistas. Basta observarmos o que se passa em tantas pseudo democracias na Europa e na América do Sul, para se perceber que muitos se aproveitaram dessa onda para propor medidas demagógicas, para depois se apoderarem do combate para benefício próprio. Seja para perseguir opositores políticos, ou mesmo para proteger e enriquecer os familiares e amigos do ciclo próximo. Até porque, em essência, a corrupção não se combate, evita-se. A manter-se durante muito tempo a perceção de que tudo cheira a corrupção em Portugal, será um ápice até que o descrédito dos portugueses na democracia se reflita em partidos extremistas e nacionalistas no arco do poder.
Como diria Júlio César, “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Aos governantes portugueses já não basta serem honestos. Para que eles pareçam honestos, ainda há um longo caminho a percorrer. A começar pela ética pública, ou pela falta dela. A palavra ética tem de se traduzir em mais do que um simples código de conduta. Regimes de incompatibilidades dos titulares de órgãos públicos, portas giratórias com o setor privado, conflitos de interesse na condução de políticas governativas, são tudo áreas em que a vontade política para mudar tem esbarrado de frente com os interesses instalados de quem beneficia do sistema. Um conflito de interesses na sua forma mais pura.
A perceção dos portugueses, vista do vale da democracia portuguesa, é extremamente perigosa. Quanto mais tempo a democracia sobreviver à revelia da ética pública, maior será o impacto. Não porque a corrupção vá corroer as instituições democráticas numa escala superior ao que aconteceu nos últimos 47 anos, mas sim porque os supostos salvadores da pátria vindos de alguma montanha podem destruir rapidamente o que ainda sobra no vale.