Carlos Pimenta, Expresso online (120 21/04/2021)

 

 

Desde a última crónica muitas têm sido as trocas de opiniões e os acontecimentos relacionados com a fraude, ou com as suas bases sociais, que poderíamos utilizar para esta crónica, mas há diversas resistências a essa tentação

Contudo não é nosso objectivo falar sobre o que é mais debatido, em primeiro lugar porque consideramos que tais acontecimentos empolam e estão recheados de emotividade que é pouco conselheira a uma análise rigorosa, e em segundo lugar, porque aquilo que pretendemos é conseguir, pelo menos tendencialmente, aqui deixar uma posição justificada cientificamente do que vamos afirmando.

Por isso retomaremos a temática da nossa última crónica neste jornal, que podemos sintetizar da seguinte forma:

  1. As redes sociais (com destaque para o Facebook e o Google, mas extensível a todas) são recentes, mas constituem desde já um dos maiores perigos à liberdade individual e à democracia, como a conhecemos, combinadamente, por outros aspectos, com as enormes vantagens que apresenta.
  2. Correspondem a uma prática social profundamente enraizada e a tendência é a sua importância social aumentar: mais utilizadores, e maior troca de dados ao mesmo tempo que cresce a importância da informática em todos os aspectos da sociedade, os modelos de inteligência artificial e a articulação de diversas ciências.
  3. Tudo isto com a concordância de todos nós, ao aceitar sem qualquer reflexão os «cookies» que nos oferecem, quer porque a Internet é um aspecto essencial da vida quotidiana quer porque para esse acesso dependemos sempre de terceiros.

Desta contradição e do conflito de tendências, gera-se a necessidade de um controlo político, de uma relação, que propomos que passe pelos aspectos seguintes:

  1. Maior conhecimento da situação existente por parte de todos os cidadãos;
  2. Passarmos a ser clientes pagos das redes sociais;
  3. Fiscalização das redes sociais realizada por cidadãos, com competências, sorteados para tal.

São estes aspectos que iremos analisar, tal como de alguma forma era suposto.

DA DISCIPLINARIDADE À INTERDISCIPLINARIDADE

Como se costuma dizer, o saber não ocupa lugar, mas é uma vertente fundamental do nosso comportamento. Assim sendo, podendo este problema das redes sociais, em permanente mudança e adaptação, ser analisado de muitíssimas maneiras, é natural que se encontrem formas de formação ao longo da vida. Tanto mais que, como se disse, “nas problemáticas da fraude, e não só, prevenir é quase sempre melhor que remediar, a grande medida de combate aos problemas das redes sociais no mundo contemporâneo é a existência por parte dos seus utilizadores de um bom conhecimento sobre o seu funcionamento e a cibersegurança”.

Sendo a concretização deste objectivo matéria para os especialistas deixamos aqui os seguintes comentários:

  • Esta formação tanto pode ser formal como informal, mas para assumir a forma obrigatória é importante um determinado peso no ensino formal. Quando?
  • O seu funcionamento antes do ensino universitário não apresenta problema de maior: se o aluno estuda, por exemplo, Filosofia, Cidadania e Português, certamente que também poderá ter uma disciplina dominantemente de informática.
  • O problema, contudo, coloca-se no ensino superior que é normalmente considerado como sendo de formação disciplinar. Contudo é preciso ir mais além, transformando-se cada vez mais em ensino interdisciplinar, independentemente do que aqui se propõe. É essa formação interdisciplinar que é susceptível de permitir aos licenciados uma leitura e comportamento científico mais adequado face às realidades. O economista vai defrontar-se com questões culturais, o médico com comportamentos psicológicos, muitos com questões éticas. O ensino superior pretende ser científico simultaneamente com a ignorância sobre as condições a que deve obedecer para o ser, apesar da multiparadigmaticidade frequente que o caracteriza.

O CLIENTE EXIGE

Utilizando uma linguagem simples, podemos dizer que as redes sociais difundem dados micro (ex: sabem que o Alfredo colecciona alfinete de gravata e eles vendem a todos os comerciantes dessa mercadoria o email desse cidadão ou abrem uma janela comercial sempre que ele utiliza um determinado browser para procurar algo na rede informática mundial) ou macro ꟷ os big data ꟷ (ex. tempos e formas de acesso a uma capital de um país dos cidadãos aí residentes, temporários e definitivos).

O problema está, pois, na associação de um determinado acontecimento com o foro pessoal (ex. X1 é mais receptivo à compra de K sempre que se verifica X1 e Xn) ou colectivo (ex. desloca-se para o emprego às Xv horas situado em rua Z1).

Todo o utilizador de uma rede social (utilizando esta, o email ou o telefone, pondo um «like» ou difundindo uma opinião, por exemplo) mais não é para aquela que uma cobaia. O individualismo desaparece e, atrás dele a liberdade e a democracia. É preciso romper urgentemente com esta associação, permitida pelo próprio ao aceitar todos os cookies que lhe aparecem pelo caminho. Defendemos que tal é mais fácil fazê-lo se também formos clientes, em vez de meros utilizadores gratuitos, o que exige uma negociação para o conseguir.

REGULAR, FISCALIZAR, CONTROLAR

Podemos, pois, afirmar se amamos a democracia, a liberdade individual e colectiva que é necessária, e urgente, uma intervenção pública para alterar esta situação, mobilizando para tal cada país e articulando-os globalmente de forma adequada (o que não é nada fácil!).

Esta actuação passa por analisar cuidadosamente o que cada rede social faz e as informações individualizadas que estas têm, informar os visados, saber o futuro que cada um quer, debater a regulamentação futura, propor legislação. Saber como fiscalizar, controlar e actuar eficientemente.

Respeitando as regras democráticas de funcionamento de todos os organismos, trata-se de um trabalho altamente especializado, devendo o grupo central ser colectivo e tecnicamente competente.

Como já expressámos, “o grupo central de controlo e fiscalização deve resultar de uma escolha aleatória entre cidadãos, cabendo ainda reflectir sobre a base dessa aleatoriedade. Não seria uma escolha política de um qualquer organismo, mas o mero resultado de três parâmetros: nacionalidade, competência e aceitação do próprio.”