José Ferreira, OBEGEF
A grande mais-valia desta abordagem é o alerta para esta ambivalência que tendemos a ignorar ou subvalorizar, que nos permite compreender porque muitas vezes a criminalidade económica não é denunciada e perceber que é tão difícil de combater e investigar porque a sociedade não está completamente comprometida nesse objetivo ou, no mínimo, faz vista grossa ao fenómeno.
Conceito já conhecido e de frequente referência na perspetiva da Compliance, a noção de área cinzenta assenta na ideia de que quando os padrões éticos do indivíduo são insuficientes para lhe permitir a destrinça entre o que está certo e o que está errado, ou por outras palavras, entre o bem e o mal, este se encontra numa área cinzenta, onde a falta de uma solução clara dificulta o reconhecimento da ação correta a tomar.
Numa aceção criminológica, é uma espécie de área de transição entre o que é legal e ou ético e o que é menos ético ou mesmo ilegal, ou seja, muitas vezes, o primeiro degrau no processo de decisão.
A chamada “Perspetiva da Área Cinzenta” assume particular enfase no enfoque sobre a criminalidade económica e financeira.
Numa conferência proferida na Florida Atlantic University (em 29/11/2018), Andrew Fastow, antigo CFO da ENRON (um dos condenados no escândalo), atestou que existe uma clara distinção entre seguir as regras e fazer o que está correto, pormenorizando que, na sua opinião, um gestor ou executivo de sucesso era alguém que conseguia cumprir as regras, mas, intencionalmente, arranjar formas de evitar a sua finalidade. Nas palavras do mesmo, este tipo de gestores é, muitas vezes, considerado pelos pares e acionistas como verdadeiros génios.
A área cinzenta surge, naturalmente, quando os interesses do indivíduo ou do seu grupo são diferentes dos objetivos gerais da sociedade, e aqui, os padrões éticos do indivíduo têm particular importância, pois é em função desse quadro referencial que vai tomar as decisões, ou seja, se o quadro referencial for forte e coerente, cumpre a lei, ao passo que, a contrário sensu, à falta de uma referência inequívoca e objetiva para cumprir a lei, segue o caminho da transgressão.
Na linha de pensamento traçada por esta teoria (se assim lhe podemos chamar), adota-se a noção que o indivíduo atua, primordialmente, em benefício próprio ou em defesa dos seus interesses pessoais, comportamento que, quando combinado e cultivado no seio de um grupo homogéneo, faz nascer uma cultura.
Como bem sabemos, muitos gestores e homens de negócio de topo trabalham ou são proprietários de grandes grupos económicos, cujos interesses, económicos e sociais, muitas vezes se cruzam com o poder político e os governos das nações.
É inevitável, fruto da sua pujança económica, enquanto geradoras de emprego, riqueza e bem-estar económico-social que tais empresas tenham uma força de lobbying imensa e que muitas vezes gozem de uma certa “benevolência” governamental e social, em prol de uma economia robusta.
A grande mais valia desta abordagem é o alerta para esta ambivalência que tendemos a ignorar ou subvalorizar, que nos permite compreender porque muitas vezes a criminalidade económica não é denunciada e perceber que é tão difícil de combater e investigar porque a sociedade não está completamente comprometida nesse objetivo ou, no mínimo, faz vista grossa ao fenómeno.
Este conceito não é a derradeira solução na compreensão e solução do flagelo da criminalidade económica, nem permite explicar porque é que alguns indivíduos cometem este tipo de criminalidade e outros, com as mesmas oportunidades, não o fazem. Contudo, apresenta-se como mais uma ferramenta, que, quando aplicada em conjunto com outras teorias, ajuda a explicar porque é a criminalidade económica tão poucas vezes detetada e de difícil investigação.