Óscar Afonso, Expresso online (098 18/11/2020)

 

 

Na sequência da existência de duas crises, uma sanitária, de emergência, e outra em resultado, que é a económica, vivemos no contexto de uma imensa incerteza. Devido à interconexão global da atividade económica a que se chegou a nível mundial, o confinamento dos nossos parceiros comerciais provocou uma redução das exportações, uma maior rutura de processos produtivos dependentes de importações de produtos intermédios e, claro, uma redução do turismo pelo confinamento interno e externo. A desglobalização agora em curso com a pandemia Covid-19, mas que já dava sinais com, por exemplo, o Brexit, os movimentos separatistas na Europa, o crescimento dos partidos nacionalistas, a crise financeiras de 2008, as dificuldades de estabelecimento de relações económicas entre blocos económicos, e o enfraquecimento do Mercosul, desacelerou o processo de integração dos mercados face às limitações impostas às trocas internacionais, e provocou uma maior independência das economias. Neste processo, as fronteiras nacionais parecem agora (re)ganhar força. Não há dúvida que a pandemia impôs um conjunto de reversões socioeconómicas face à tendência existente desde a 2ª Guerra Mundial que, em maior ou menor grau, atravessam todas as sociedades contemporâneas. A par da desglobalização dos mercados, assiste-se ao congelamento do aprofundamento de processos de integração económica regionais, do processo de internacionalização do capital e da globalização da produção. Em particular, ficaram em causa deslocamentos espaciais de fases de processos produtivos para beneficiar de vantagens nacionais, desenvolvimentos tecnológicos e a promoção da igualdade nos padrões de consumo à escala global. Ou seja, tem vindo a assistir à diminuição da concorrência à escala internacional que deverá penalizar, desde logo, a eficiência na afetação dos recursos e, portanto, os preços, bem como a qualidade dos bens e serviços produzidos. Na sequência da desglobalização e da consequente diminuição da concorrência à escala nacional, será expectável a intensificação da concentração e da centralização da atividade económica em alguns grupos, devendo crescer o número de setores da economia controlados por uma minoria protegida pelas fronteiras do estado-nação. É então expectável que esta diminuição da concorrência tenha consequências bem danosas – exclusão social, incerteza no andamento da economia e aumento da economia não-registada –, que remetem para a necessidade de, pelo menos, algum (justo) apoio estatal. Acontece que em países como Portugal, com uma estrutura produtiva frágil, assente em micro e pequenas empresas, muito dependentes do exterior e do estado, com uma taxa de poupança reduzida, instituições fracas e dívidas pública, privada e externa colossais o apoio estatal é incerto e só não é impossível devido à solidariedade da União Europeia (UE). Acresce que o governo português já fez saber que, do apoio da UE motivado pela pandemia Covid-19, não haverá recursos diretos para as empresas. No fundo o que temos é um estado extrativo, que absorve imensos recursos de todos e que não é confiável; um estado que, ora vive da extração de recursos dos cidadãos, ora necessita da solidariedade Europeia. Sob a passividade do governo, inevitavelmente iremos então assistir a novos contornos na relação entre o emprego/trabalho e ao aumento da pobreza/exclusão Social. Emprego e pobreza aparecerão cada vez mais associados, em grande medida devido à dinâmica de fragilização da produção que, por sua vez, fragilizará o emprego de qualidade. A polarização – distância que separará os portugueses mais pobres e menos qualificados dos mais ricos e qualificados – irá, portanto, aumentar. A expectativa, no contexto discutido, é assistir a um número crescente de desempregados e de “trabalhador pobre”, bem como à deterioração das condições de trabalho. Subjacente ao já referido, a desglobalização, o desemprego, o mau emprego, e as desigualdades deverão intensificar o peso da economia não-registada e mudar a sua composição, passando a sobressair a economia subterrânea (decorrente da não observação das obrigações fiscais e parafiscais) e a economia informal (associada a uma ótica de sobrevivência, abrigando desemprego, emprego muito precário e miséria). As interpenetrações com a fraude e a corrupção facilitadas pela brutal centralização do rendimento e da riqueza à escala nacional passarão certamente a ser ainda mais orgânicas. A fraude, nomeadamente a perpetrada por quem tem elevado estatuto social e político, que já atinge valores capazes de estremecer o país, deverá crescer fruto do crescente crime económico organizado – o montante da ajuda comunitária não deixa de despertar muito interesse! Este tipo de crime, “de colarinho branco”, deverá estender-se para negócios muito diversificados sempre com o intuito de obter lucro, alheando-se totalmente das consequências sociais e individuais que possa acarretar a terceiros. Neste contexto, embora não acredite, nesta altura seria conveniente um justo apoio do estatal a favor de quem (quase) sempre o tem sustentado. Genericamente, seria de esperar que o estado fosse capaz de promover: (i) a eficiência, incentivando a concorrência, combatendo as externalidades negativas e fornecendo bens públicos, intervindo no caso de “falhas de mercado”; (ii) a equidade, redistribuindo o rendimento entre grupos particulares, através de instrumentos como os impostos e as transferências, pois, a este nível, revela-se inaceitável a omissão do estado, dado que lhe compete o dever constitucional de conferir proteção, além do dever de coordenar os interesses e manter o equilíbrio entre todos; e (iii) a estabilidade macroeconómica e o crescimento. Em particular, deveria o estado ser capaz de suscitar a internalização das externalidades negativas por quem as produz, fomentar a concorrência nos mercados e refrear as tentativas de abuso de posição dominante que se vislumbram com a diminuição da concorrência. Devia, no fundo, preparar o país para quando melhores dias chegarem. A meu ver, mostra-se inaceitável a omissão do estado, o parece que faz sem fazer, as promessas incumpridas, dado que, como dito acima, lhe compete o dever de coordenar os interesses e manter o equilíbrio entre todos. Não creio que depois de tanto sacrifício de todos fosse injusto exigir um país mais bem preparado, um estado mais forte, mais transparente, mais competente e com instituições públicas mais fortes.