Ana Clara Borrego, Jornal i

 

O problema que se coloca, caros leitores, é que não se nos estamos a referir a perdões de dívida, mas, sim, a protelações do pagamento, que me leva à questão do mote desta crónica: e quando o prazo das moratórias de créditos terminar? 


Desde o início do confinamento devido à pandemia da COVID-19 que se previa que os impactos da doença iriam muito além da saúde física e psíquica dos cidadãos.

A desaceleração da esmagadora maioria da atividade económica e o encerramento / suspensão de atividade de muitas empresas não deixavam margem para dúvidas quanto à crise económica, com consequências sociais, que a pandemia iria provocar.

Durante os meses de confinamento e nos subsequentes, de uma forma geral, todos tínhamos conhecimento da crise económica que se estava a instalar e, infelizmente, os dados oficiais vieram confirmar essas suspeitas: de acordo com a estimativa do Banco de Portugal, vamos terminar o ano 2020 com uma assustadora queda de 8,1% do PIB (Produto Interno Bruto) comparativamente com o ano anterior. Tenhamos noção, caros leitores, que a quebra na produção nacional real é maior do que aqueles 8,1% anunciados, pois tais números só contemplam a economia oficial, ficando de fora o impacto da crise na economia paralela, a qual, quer queiramos, quer não, é o sustento de um número considerável de famílias.

Importa referir que parte dos efeitos negativos da crise económica ainda não se fizeram sentir, pois foram criadas, atempadamente, medidas para mitigar o seu impacto imediato. Uma das grandes preocupações dessas medidas foi evitar o estrangulamento financeiro de empresas que reduziram ou suspenderam a atividade, bem como de famílias que ficaram sem meios de subsistência, ou que viram o seu orçamento familiar reduzido.

Criaram-se, então, mecanismos para diferir, no contexto empresarial e familiar, o pagamento de algumas obrigações financeiras, tributárias e de segurança social, de onde destacamos, pelo seu impacto directo em muitas famílias, empresas e instituições, as moratórias de créditos bancários, mormente créditos à habitação.

Para compreendermos o seu alcance, importa referir que, de acordo com dados do Banco de Portugal, até setembro (inclusive), foram aprovadas moratórias para 751.725 contratos, das quais cerca de 71% respeitam a créditos das famílias e 42% a créditos hipotecários à habitação.

Aqueles dados permitem constatar que a quantidade de empresas / entidades e de particulares com a vida financeira em suspenso pelas moratórias de crédito é muito grande. O problema que se coloca, caros leitores, é que não nos estamos a referir a perdões de dívida, mas, sim, a protelações do pagamento, o que nos transporta para a questão do mote desta crónica: e quando o prazo das moratórias de créditos terminar?  

Considerando que grande parte das empresas estão, presentemente, com dificuldades em manter a sua atividade e que muitas famílias estão a atravessar dificuldades neste momento, o que acontecerá quando retomarem o pagamento dos empréstimos que contraíram e cujos pagamentos foram suspensos?

As primeiras moratórias públicas concedidas diferiram o reinício dos pagamentos dos créditos para 30 de setembro de 2020. Consciente deste problema, em junho, o governo aprovou legislação que adiou os prazos das moratórias por mais 6 meses (até 31 de março de 2021) e em setembro de 2020 veio a legislar um novo adiamento para setembro de 2021, mas, ainda assim, questiono-me se será suficiente esse novo prazo, perante uma retoma económica que se adivinha muito lenta e difícil? 

Devo referir, caros leitores, com preocupação, que, na minha opinião, o prazo é reduzido, considerando as espectativas existentes para a retoma económica em 2021. Contudo, também não considero a simples revogação sucessiva do reinício do pagamento uma solução viável, pois não seria uma solução, mas o adiar de um problema.

Note-se, que estamos perante um problema que promete ter consequências não só económicas, mas, também, sociais graves, considerando o elevado número de créditos habitação que se encontram, presentemente, cobertos por moratórias de crédito, bem como, o facto de, também, existir um elevado número de créditos suspensos por moratórias respeitantes a empresas e a IPSS (Instituições particulares de segurança social), cujo potencial encerramento implicaria mais desemprego e diminuição da rede de serviços de caracter social.

Neste fecho do ano 2020, não posso deixar de chamar a atenção para esta questão delicada, que deve merecer a maior atenção do governo e do Banco de Portugal, para que não se torne num dos grandes problemas de 2021. No hiato de tempo até ao fim das moratórias, deveria ser encontrada uma solução consistente (e consciente) que não passasse, nem por deixar “cair” todas as moratórias, nem, simplesmente, por renovar todas mais uns meses.

Na minha opinião o primeiro passo passaria por reforçar e efetivar a “Rede de apoio ao consumidor endividado” para abarcar estas situações, analisando-as caso a caso antes do prazo de moratórias findar, ajudando as pessoas, empresas e instituições a encontrar uma solução viável para o seu caso, o que poderia passar, por exemplo, pela renegociação efectiva de contratos (sem custos associados), com vista à diminuição das prestações para níveis suportáveis, à custa do aumento dos prazos de reembolso da dívida.