Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Será o conflito de interesses controlável? Como? Será que basta viver para haver conflito de interesses?
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É um lugar comum, nomeadamente para quem está enredado em problemáticas relacionadas com a política antifraude, que o conflito de interesses aumenta a probabilidade de cometimento de decisões que violam os princípios a que deve obedecer o exercício de um determinado cargo.
Muitos são os exemplos possíveis. Há conflito de interesses quando um professor tem como aluno um familiar que lhe é particularmente querido; quando um responsável das compras de uma empresa tem quota numa das empresas fornecedoras; quando no júri de um concurso público há simpatias, ou antipatias, manifestas para com uma empresa concorrente. Em todas estas situações, e muitas outras, podem as pessoas decidirem de acordo com o exercício da sua profissão, segundo a ética, ou não fazê-lo. Neste caso o conflito de interesses levou à violação do exercício lógico e correcto do seu cargo.
É frequente associar o conflito de interesses à corrupção: “na sua forma mais descarada, a corrupção envolve a troca ilícita de dinheiro por favores políticos. No entanto o conceito também pode abranger conflitos de interesse”1 de vários tipos: quando um político tem ligações económicas a uma empresa que deve fiscalizar; quando elementos de um partido têm certa subserviência para com financiadores daquele, mesmo que legal; quando estão escancaradas as «portas giratórias» entre o governo e as empresas, com ou sem período de «nojo».
O conflito de interesses pode ser penoso ou luxuriante conforme o próprio, desde que tenha consciência da situação, o que é frequentemente encoberto pelo hábito, pelo comum das práticas sociais.
Um criminólogo francês, Gayraud, ao analisar como o mau capitalismo expulsou o bom capitalismo, num período de empolamento dos movimentos essencialmente financeiros em relação à actividade produtiva e que conduziu à grave crise de sobreprodução de 2008, concluiu a que o verificado pode resumir-se em três situações: “falta de regulação, ausência de supervisão e descriminalização”.
Ora sendo o conflito interesses a situação em que uma entidade ao tomar decisão pode ser levada a provocar um hiato entre o que devia decidir (resultante das suas funções) e as que efectivamente toma (influenciado por outros factores) faz com que coloquemos aqui e agora algumas perguntas para pensarmos: Não será que a burocracia de muitas instituições, inibidoras de tomadas de decisão atempadas, são o resultado de conflito de interesses (por exemplo porque tem conhecidos e amigos que podem ser contrariados pelas suas decisões)? Não será que o eleitoralismo é uma manifestação do conflito de interesses, resultante da vontade maior de ganhar as eleições?
Se assim é, este é um assunto complexo que, eventualmente exige um estudo aturado no âmbito das políticas antifraude: não basta perguntar em que instituições labutou ou ainda exerce funções. Pode pôr em causa os próprios critérios de escolha das pessoas para os diversos cargos políticos pois «conhecer bem um assunto» também pode ser ter conflitos de interesse ora por amizades, ora por hábitos adquiridos, ora por ambições pessoais. Não será preferível alguém conhecedor da área de actividade (existente e que poderia existir), com uma formação interdisciplinar em fraude?2
Será o conflito de interesses controlável? Como? Será que basta viver para haver conflito de interesses? E se assim é quais são importantes e quais o não são? Quais são controláveis?
Pensemos no assunto.
Notas:
- Ver Arriaga, M. (2015). Reinventar a Democracia. Lisboa: Manuscrito.
- Tive uma estudante de mestrado em Economia que numa sessão de trabalho, depois de mostrar os dados contabilísticos de vários bancos em Portugal, me disse: o próximo banco a ter graves problemas, a curto prazo, é o Espirito Santo. Por essa data o Banco de Portugal nada fazia e o poder, incluindo o Presidente da República de então, referia-se ao banco e dizia que estava tudo bem. Passada uma quinzena havia a constituição do Novo Banco.