Pedro Moura, Expresso online (071 13/05/2020)
O que parecia impossível aconteceu: a maior parte das empresas e seus empregados passaram a trabalhar em modo remoto (ou pelo menos aqueles cujos trabalhos assim o permitiam).
O surto Covid-19 colocou-nos perante desafios pessoais e sociais que praticamente ninguém havia imaginado há 3 meses atrás. As nossas rotinas diárias, tomadas como garantidas e imutáveis, foram postas em causa e viradas do avesso quase instantaneamente.
Todas as empresas são subitamente enormes partidárias desta forma de trabalho (remoto), tentando gerir a situação o melhor que podem para assegurar a continuidade do negócio. Os trabalhadores adaptam-se o melhor que podem, com maior ou menor dificuldade. É trabalho remoto forçado. É uma questão de sobrevivência.
Mas mais que uma questão de sobrevivência, esta é sobretudo uma excelente oportunidade para promover uma mudança estrutural na maneira como se organiza o trabalho, com um enorme enfoque em tornar o trabalho remoto uma realidade concreta após o período agudo da crise que atravessamos.
A minha atual empresa é uma startup tecnológica, e embora já tivéssemos uma política de trabalho remoto e uma média de idades relativamente baixa, esta passagem abrupta para 100% remoto não foi fácil. Aconteceram imensos imprevistos, foram necessárias adaptações por vezes dolorosas (nomeadamente por quem tem crianças em casa ou vive com profissionais de saúde, o meu caso...), e as aprendizagens ainda hoje continuam a acontecer.
É que uma coisa é falar e teorizar sobre trabalho remoto, outra coisa bem diferente é trabalhar efetivamente de forma 100% remota. Garantidamente que nem tudo sobre trabalho remoto é fantástico e libertador, como muitas vezes parece transparecer nesse novo exercício de estilo que é postar nas redes sociais mosaicos de pessoas no Zoom sorridentes e maravilhosas, como se o seu negócio estivesse a ir de vento em popa.
No entanto, mesmo com todas as dificuldades uma coisa é certa: vamos tentar aproveitar, enquanto empresas esta mudança para fazer do trabalho remoto uma parte fundamental da maneira como trabalhamos, por forma a sairmos mais fortes e competitivos desta provação.
A maior barreira para a adoção de lógicas de trabalho remoto não é a tecnologia, é a cultura da gestão, algo que se sabe não ter grande fama cá pelo burgo. Não tenho a menor dúvida que à medida que o período de confinamento for passando muitas das empresas que hoje em dia falam sobre as maravilhas do trabalho remoto e de como se adaptaram tão bem à atual realidade, rapidamente voltarão às ‘maravilhas’ do trabalho ‘normal’, aquele onde o gestor pode ver e controlar os seus subordinados, onde as pessoas continuarão a ir para o escritório desperdiçar grande parte do tempo entre cafés e a ficar até um bocado mais tarde para parecerem bem perante a chefia e os colegas, onde se voltarão a perder anos de vida em transportes e onde o jogo do respeitinho e da lambe-botice serão factores críticos de sucesso. É a natureza humana: as pessoas tendem a mudar somente quando são obrigadas a tal.
Mas pensando positivamente, estou também certo que muitas empresas irão efetivamente mudar para uma política mais ‘remote-friendly’. Afinal as vantagens são muitas e mais que provadas: mais flexibilidade e equilíbrio vida-trabalho, menos tempo em transportes, menos ‘politiquice de escritório’ e distrações, e maiores motivação e produtividade.
E estes benefícios passam das pessoas e das empresas para a sociedade como um todo, pois pessoas mais motivadas e produtivas geram empresas mais rentáveis e competitivas, que por sua vez influenciam toda a economia nacional. Isto para não mencionar os óbvios ganhos ambientais e de melhoria de saúde mental, entre outros.
Estou confiante que com a passagem desta época azarada o trabalho remoto irá permanecer como um conceito forte nas organizações, ou, pelo menos, nas mentes dostrabalhadores que passaram por esta experiência.
Esta experiência forçada está a ensinar trabalhadores e empresas que o trabalho pode ser feito remotamente, que uma reunião muitas vezes é perfeitamente substituível por um email, e que não cai o Carmo e a Trindade se nem toda a gente estiver a trabalhar na mesma sala ao mesmo tempo. Trabalho remoto é possível e desejável, e vai ser cada vez mais um fator de diferenciação na capacidade de atrair e reter o melhor talento.
Temos de evoluir, de deixar o espírito controleiro e de micro-gestão para o Portugal do antigamente. Chegou o tempo de reconceptualizar o horário das 9h às 17h (ou muitas vezes das 8h às 20h) e criar novas formas de trabalho e colaboração que nos permitam encarar o futuro como algo que pode ser melhor que o passado.