José António Moreira, Expresso online (072 20/05/2020)

  1. Há pouco mais de duas semanas, a notícia surgiu no jornal Negócios: a quase totalidade do capital da Brisa havia sido vendida a um consórcio de fundos de pensões. Mais uma empresa nacional cujo controlo passou para mãos estrangeiras. Seja porque todos andam demasiado absorvidos com a pandemia, seja porque se tornou corriqueiro ver empresas portuguesas de referência passarem a hastear pavilhão estrangeiro, o facto é que, tirando a referida publicação, a alienação não mereceu a atenção dos media.

Mais recentemente, na pretérita semana, o mesmo jornal noticiava que mais de metade dos dividendos distribuídospelas empresas do índice PSI-20, equivalentes a mais de um terço dos lucros por elas gerados em 2019, vão parar a bolsos estrangeiros. Também foi notícia que não mereceu atenção, desta vez (talvez) porque o país andava entretido a seguir anovela da “crise” política,tendo como protagonistas o primeiro-ministro e o ministro das finanças.

  • Uma equipa de investigadores nacionais, estudando os efeitos da pandemia, descobriu que o vírus, apesar do seu diminuto tamanho, parece ser ideologicamente orientado. Segundo essa equipa, ataca de forma preponderante os mais pobres, ao nível económico e com uma maior proporção de infeções.

Há estudosque partem em busca da pedra filosofal e acabam por encontrar o calhau onde estão assentes os pés do investigador. Acontece, é normal. O que não é normal é que se dê ênfase a tal resultado, nos moldes que foi dada a estes. Os investigadores ficaram “chocados” com os resultados, os media pegaram no assunto com denodo, numa segunda vaga vieram os fazedores de opiniãoreafirmar que os pobres eram as vítimas por excelência do vírus.

[Apetecia perguntar para onde estavam a olhar estas pessoas que não viram os sinais do agravamento da pobreza que, paulatinamente, os dia do confinamento foram trazendo.]

Espere-se pelo fim das moratórias bancárias ao pagamento das prestações dos empréstimos das famílias (e das empresas) e vão ter oportunidade deconstatar como o vírus afeta mais não só os pobres “habituais”, mas também os “novos” pobres, os endividados que perderam rendimentos. Pobre não é uma construção ideológica. É pessoa, de carne e osso. Que sofre, que necessita de auxílio.

  • Por estes dias, dada a incerteza do presente, cada cidadão é (quase) um analista em potência, atento àsprevisões macroeconómicas que ajudem a antever o que o futuro reserva. Porém, ninguém parece ter prestado atenção à taxa de poupança, uma das poucas previsões que apresenta valores relativamente consistentes para diferentes fontes. De acordo com asdivulgadas pela Comissão Europeia, para Portugal essa taxa deve atingir os 9%em 2020, depois de nos últimos anos ter rondado os 6,5%.Descontando o facto de o rendimento disponível, que é denominador do indicador, também encolher, o que só por si, para um mesmo volume de poupança, elevaria aquela taxa, o facto é que se espera um crescimento efetivo de 2 pontos percentuais (mesmo assim, longe do acréscimo de mais de 5 pontos percentuais para a média da zona Euro).
  • Tradicionalmente, em Portugal a poupança não é assunto que mereça atenção, muito menos tema acarinhado pelos sucessivos governos e acomodado nassuas políticas fiscais.Poupar parece ser olhado como um desvio de personalidade a necessitar de tratamento psiquiátrico.Até por isso, não se estranha que, neste momento de crise, a opinião veiculada pelos mediapasse ao lado deste assunto. No entanto, mais do que nunca, o denominado “paradoxo da poupança” deveria ser farol a orientaro comportamento de cada cidadão. O que este conceito propõe, e que é uma descoberta inolvidável para qualquer iniciado nas matérias económicas, é uma dicotomia comportamental: se não existir poupança interna, ou ela for insuficiente ao nível macroeconómico, a única via para financiar o investimento é através do endividamento externo, que implica o pagamento de rendimentos e, mais tarde ou mais cedo, a venda de ativos ao exterior; no entanto, se no limite cada família poupar a totalidade do seu rendimento disponível deixará de haver atividade económica, por falta de procura interna, com consequências nefastasno emprego e na distribuição de rendimento, indiretamente no nível de pobreza.
  • Nos tempos em que poupar era uma necessidade, ter um pequeno “pé de meia” para acudir a uma “aflição” era a tábua de salvação que permitia às famílias não naufragar quando aquelasurgisse. A “aflição” está aí, com toda a força, e muitas das famílias não possuem essa tábua de salvação. As previsões apontam no sentido de que as restantes irão passar a poupar mais.Grite-se, bem alto: agora, não! Agora não é tempo de poupar. Pelo contrário, para que a pobreza não alastre ainda mais, é tempo para que, quem manteve o seu rendimento e ou tenha um “pé de meia”, o consuma, para gerarnegócio que possa, pelo menos,manter o emprego existente. Portanto, nestes tempos em que um “tsunami” económico a todos ameaça submergir, a palavra de ordem a adotar por cada umtem de ser: “Poupança não! Consumo, sim!”. Para que tenhamos futuro, deixemos a poupança para mais tarde.