Rute Serra, Expresso online (058 12/02/2020)

Por conta do alarde meio desvairado, porque o caso era sobejamente suspeitoso para dizer o mínimo, em volta do assunto Luanda Leaks, várias vozes têm, e bem, defendido que as principais consequências deste tipo de acontecimentos não são tanto financeiras ou jurídicas, mas antes éticas.

Com efeito, aos que directa ou indirectamente se viram e vêm envolvidos no problema, não terá faltado capacidade profissional, contudo esta diluiu-se numa triste fluidez ética. A questão de fundo, a que concorre a par das ilegalidades supostamente verificadas é esta: é possível conciliar lucro e ética? Seria possível terem-se gerado os lucros apregoados se nas decisões tivesse havido preocupação ética? Mais: seria exigível a quem é principescamente pago, que desviasse propositadamente a atenção das questões éticas? E sendo a resposta a ambas as perguntas negativa, para que servirão nesse caso os códigos de conduta e de ética?

Comecemos pelo fim. Em que medida os códigos de conduta e de ética ou de integridade representam a consciência moral da organização? Concorrerão talvez apenas paratransformar os seus funcionários em aristocratas da virtude? Nem uma coisa nem outra, quer-nos parecer. Os códigos de conduta e de ética mais não são do que ferramentas de gestão, declarações de princípios, quadros de referências organizacionais destinados a balizar exigências mínimas de comportamento e ao mesmo tempo a dar a conhecer a quem prevarique as eventuais consequências, definindo a orientação da gestão da cultura organizacional.

Não percamos de vista que empresas e entidades públicas são apenas ficções jurídicas. São as pessoas, da gestão de topo ao mais humilde funcionário que as compõem e será a essas que pode e deve ser exigida coerência com os valores da organização demonstrando, a cada momento, a estirpe do seu comportamento individual aplicado. O quadro de valores pessoais, que cada indivíduo/profissional evidencia não pode ser incutido através de códigos de conduta. Aprende-se (ou não) desde cedo e sendo passível de hesitações ou dilemas, será sempre a nossa estrela polar individual, que não nos permitirá desvio do fundamental.

Mas aqui chegados, se estas ferramentas existem, são conhecidas dos funcionários, que não estarão todos, por certo, feridos de ambiciúncula desmedida, por que motivo tal facto terá pesado menos que o ânimo de lucrar? 

Voltemos às questões iniciais.

Em 1970, o nobelizado da economia Milton Friedman escreveu provocatoriamente que a única responsabilidade social de uma empresa é aumentar o lucro. Compreende-se que esta tentação seja forte. Mas levada à letra pecaria desde logo num ponto fundamental: olvidaria que é do clima de confiança entre as pessoas que compõem a organização que esse lucro mais facilmente é gerado. A atitude de apenas nos concentrarmos no proveito descorando a ética, não induz a motivação certa. É que como dizia Ortega y Gasset «eu sou eu e a minha circunstância». E mais cedo ou mais tarde, por acção de hackers ou de um ambiente interno desmotivante, tudo ruirá facilmente ao aproximar da primeira vaga.

Como parece que se está, finalmente, a assistir.