Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios
Estamos numa guerra, não é altura para tomar medidas equilibradas. É altura para concentrar forças sobre o ponto fraco do inimigo. É assim que se vencem as guerras
Ao agir sob o preceito "máxima precaução, mínima perturbação" o Governo do PS procura equilibrar dois opostos, guiando-se pelo bom senso e tomando decisões à medida que a situação o exige. Esta é, contudo, a receita italiana que levou ao desastre naquele país que conta quase o dobro de mortos da China que tem uma população dezenas de vezes superior à de Itália.
A analogia com a guerra continua a aplicar-se neste caso de emergência nacional. Numa guerra não é boa estratégia responder com bom senso e à medida que a situação o exige. Na guerra a melhor estratégia é a que concentra sabiamente as suas forças e as faz incidir decisivamente sobre o ponto mais fraco do adversário derrotando-o.
Sabemos que o forte do vírus é a sua rápida disseminação atingindo todos. Em contrapartida o seu ponto fraco é a ausência de contacto. Sem contacto não se espalha, morre, desaparece. Assim foi vencido na China com sucesso em apenas 4 meses (dezembro a março). Mas é preciso fazer incidir todas as forças nesse ponto fraco.
Não empregar todas as forças, ser equilibrado, permite ao vírus continuar a propagar-se, continuar a infetar, continuar a matar. É como se perante uma invasão defendêssemos a fronteira terrestre mas permitíssemos a entrada pela fronteira marítima. Ou cortamos a propagação ou não cortamos, não há ponto intermédio, não há ponto de equilíbrio, não há lugar ao bom senso no sentido de meio-termo.
Outro erro/crime que nos preparamos para cometer mas que já foi anunciado é a aplicação de regras de racionamento dos serviços de saúde quando a situação se agudizar. Quando os ventiladores não chegam, quando os remédios não chegam têm de ser racionados, o que significa que serão canalizados para uns e recusados a outros.
As regras anunciadas parecem orientar-se para a recusa de serviços de saúde aos mais velhos, aos diabéticos e a outros doentes crónicos para os dar aos jovens e saudáveis. Parece, novamente, ser lógico e de bom senso.
Como chama a atenção o New York Times de 21 de março último, num excelente artigo intitulado "The Hardest questions Doctors may face. Who will be saved? Who Whon’t?", por baixo deste bom senso encontramos uma política classista e racista. É que os pobres têm mais probabilidades de ser diabéticos, pela má alimentação a que têm de se sujeitar, e de ter outras doenças crónicas. E é também conhecida a menor condição de saúde dos negros dos bairros periféricos obrigados a condições sanitárias propícias a muitas doenças. E serão estes que pelas regras "técnicas" morrerão sem assistência. É que estas regras "técnicas" são na verdade classistas e racistas.
Por último pode ser, como salienta o artigo do New York Times, péssimo desligar/recusar um ventilador a um idoso para o dar a um jovem. Essa decisão aparentemente sensata pode aumentar o número de mortos. É que o idoso provavelmente morrerá sem o ventilador e o jovem muito provavelmente recuperará sem o ventilador. Assim em vez de salvar duas vidas acaba-se por matar uma pessoa.
Numa situação similar nos EUA, continua o artigo do NY Times, quando os ventiladores não eram suficientes os hospitais colocaram pessoal junto das camas para manter a ventilação de forma manual. Não é uma tarefa técnica. Também temos esse plano? Estão a ser treinadas pessoas para essa tarefa ou simplesmente deixamos morrer o doente?
Os primeiros critérios de exclusão foram estabelecidos pelo exército napoleónico e era simples: os feridos mais graves tinham prioridade independentemente da patente do ferido.
Nos EUA os critérios de exclusão são debatidos pelos médicos mas também pela sociedade como o artigo do New York Times é a prova. Em Portugal os critérios de exclusão estão a ser já estabelecidos. É bom que essa discussão não se faça longe dos holofotes e longe dos interessados.
Estamos numa guerra, não é altura para tomar medidas equilibradas. É altura para concentrar forças sobre o ponto fraco do inimigo. É assim que se vencem as guerras.
Economista