Mário Tavares da Silva , Visão online

“Sabe “senhor Corona”, apesar de tudo, quero que fique já bem claro para que não lhe assaltem quaisquer dúvidas.

Nós não vamos desistir…!

Pelo contrário…!

Nós vamos resistir, pois é dessa nobre tessitura que se faz a espécie humana.

Caro “senhor Corona”.

Confesso que não o deveria tratar com esta solenidade, pois dela não é merecedor.

No entanto, apesar do momento histórico extremamente difícil que a Humanidade atravessa, saiba que nos mantemos íntegros, civilizados, probos, solidários e de cabeça erguida, coisa que, muito provavelmente, você nem saberá o que é, dado que se encontra desprovido precisamente de uma cabeça como a nossa…

Em primeiro lugar, faço votos de que esta carta aberta o vá encontrar mal de saúde, muito mal mesmo, pois outra coisa, de momento, não me ocorre, ante a desgraça a que votou muitos dos meus concidadãos…

Hesitei muito em escrever-lhe estas palavras, até porque se tem falado demais de si e menos nos outros, em particular dos que morrem, sem que tenham sequer tido a possibilidade de ser assistidos e de se despedirem dos seus mais próximos…

Saiba você “senhor Corona” que eu, na minha vida, costumo orientar-me por uma regra … a de que as coisas apenas têm a importância que nós lhes dermos…

E você, para o mal de todos nós, está todos os dias nas notícias…é capa de jornais, de revistas, de medidas governativas da mais variada natureza, inquieta os grandes líderes internacionais e encerra escolas, como a do meu filho e as dos filhos de muitos outros que, impotentes, o vêm em prime time, como se do último êxito de bilheteira se tratasse…

Acho até, sinceramente, que é isso que o alimenta na sua letal voragem…

Acha-se importante, não é?

Tão importante que continua por aí a matar, silenciosa e despudoradamente cidadãos indefesos que nada fizeram para o merecer.

Você não é importante, apenas ficará numa página da nossa história que, estou certo, rapidamente será virada.

Sinceramente, não o conheço e para lhe ser franco, não tenho particular gosto em que isso venha a ocorrer… pelo menos nos tempos mais próximos ou até que apareça por aí uma bendita de uma vacina que o irradie de uma vez por todas da face da Terra e que o mande para o inferno, que é onde provavelmente você já deveria estar há muito…

Ademais, e não sei se sabe (mas isso pouco me importa agora) … este é um espaço em que, por regra, nos dedicamos a assuntos intelectualmente bem mais estimulantes do que elucubrar sobre um vírus que, vindo não sabe muito bem de onde, está a virar de pantanas um Planeta inteiro e a cercear tantas vidas inocentes de tantos dos meus semelhantes …

É por isso, e só por isso, que neste espaço semanal, abro uma exceção e lhe escrevo esta carta aberta de quem já não tolera mais as suas maldades e a perda de vidas humanas que as mesmas já provocaram.

Vamos, pois, por partes, ao que interessa.

Não sei se o “senhor Corona” dispõe de informação em tempo real, mas à hora a que lhe escrevo estas palavras, o atual número de infetados anda na casa dos seis dígitos (372 634) e o rasto de mortes (16314) que já deixa para trás faz-nos pensar seriamente, e de que maneira, sobre que raio de coisa nos havia de aparecer agora…

Sabe “senhor Corona”, apesar de tudo, quero que fique já bem claro para que não lhe assaltem quaisquer dúvidas.

Nós não vamos desistir…!

Pelo contrário…!

Nós vamos resistir, pois é dessa nobre tessitura que se faz a espécie humana.

Provavelmente, e como terá já ouvido dizer (se não ouviu, tivesse ouvido) a civilização humana leva já muitos milhares de anos, pelo que não era agora um bicharoco que mal se vê e que nos impede de dar um abraço aos que mais amamos, que nos vai vergar…!

Desengane-se “senhor Corona”, se eram esses os seus propósitos!

E já agora, para que conste, temos já, a esta hora, 101373 recuperados, o que obviamente mostra o quão resiliente é a espécie humana e a força que sempre a norteou na luta pela sua sobrevivência.

Agora, como sempre, não será diferente!

Saiba também você “senhor Corona” que aquilo que nos está a fazer é de uma tremenda crueldade, pois nem dos nossos entes queridos que morrem, nos permite que nos despeçamos.

De que massa ruim é feita V. Exa. que impede que nos beijemos, que nos abracemos, que nos aproximemos uns dos outros, dos nossos entes queridos, mesmo se na hora da morte?

Enfim, de que raio é V. Exa. ungido que impede que vivamos simplesmente a nossa Vida??

Sim, porque caso não se tenha dado conta, o que o “senhor Corona” está a fazer é impedir que seres humanos, como eu e muitos dos meus semelhantes, vivam simplesmente a sua vida… e isso, que fique bem ciente, nós não lhe perdoaremos…

Fique o “senhor Corona” sabendo que desta vez até nos pode ter apanhado desprevenidos e essa foi, sem dúvida, a sua principal arma…

Temos, é certo, que retirar algumas boas lições da sua passagem que, creio, antecipo curta…muito curta…

Maior cuidado e respeito para com o planeta e com todas as outras espécies que nele coexistem, mais solidariedade entre os diferentes povos, uma verdadeira sociedade de nações, um maior investimento nos sistemas de saúde e na concomitante e mais do que merecida valorização dos seus profissionais (que muito tem feito e a quem todos muito devemos), maior respeito pelas gerações vindouras e pela sustentabilidade da nossa casa-mãe, sentido de generosidade e de altruísmo para com os mais vulneráveis, enfim, maior respeito para com nós próprios e para com todos os outros.

Pois fique o “senhor Corona” sabendo que se existe algo de positivo (tenho até dificuldade em dizê-lo mas, confesso, não ficaria de bem com a minha consciência se não fizesse) que você tenha trazido, isso foi sem dúvida alguma obrigar cada um de nós, nesta enorme aldeia global, a recentrar-se em si próprio e a dar valor àquilo que verdadeiramente tem valor: a vida de todos e a vida de cada um de nós.

Pela primeira vez na história da Humanidade, é-nos exigido, à escala planetária, que não abracemos o outro para não o contagiarmos e para não nos contagiarmos.

É, sem dúvida, uma imagem terrivelmente crua que espelha exemplarmente aquele que deveria constituir sempre o cerne da nossa existência: o outro que, afinal, mais não é do que o reflexo de nós próprios.

Para finalizar esta carta aberta, que já vai longa refira-se, quero que saiba o “senhor Corona” que nós venceremos mais esta guerra, custe o que custar e leve o tempo que levar.

No final, estou certo, ficaremos todos mais fortes, mais solidários e mais bem preparados para outras “coisas” que se lhe assemelhem.

Por enquanto, e porque acredito que tudo iremos superar, sirvo-me das palavras de Tolentino de Mendonça quando numa das suas últimas obras refere, sabiamente, que “…precisamos de alguém que nos olhe com esperança…”.

Assim “senhor Corona”, com esta carta aberta, pretendo sobretudo confundi-lo, desnorteá-lo, enfraquecê-lo e relançar, uma vez mais, a esperança que nos iluminará o caminho e nos trará, uma vez mais, a normalidade às nossas vidas!

Despeço-me “senhor Corona” e, já agora, vá para o Inferno!