Mário Tavares da Silva, Expresso online (056 29/01/2020)
O dia começara!
Como tantos outros, aquele dia tinha tudo para ser um dia normal, igual a muitos que já haviam passado e não muito diferente de outros tantos que ainda viriam. Nem melhor, nem pior. Aliás, já era assim há algum tempo. Para mal dos seus pecados, a história, invariavelmente, persistia em repetir-se.
Desde que ficara desempregado, Luís desesperava por dar uma volta à sua vida. Os seus dois filhos, ainda de tenra idade, e os seus 35 anos, davam-lhe esperança num futuro melhor.
Afinal era ainda um jovem que não estava disposto a desistir dos seus sonhos.
Tinha, por ora, algumas poupanças que cirurgicamente ia gerindo. O subsídio de desemprego servia, amiúde, para aplacar males maiores.No entanto, com o passar dos dias, ele sabia, melhor do que ninguém, que a situação, como estava, não iria ser sustentável por muito mais tempo.
Naquele dia, à falta de melhor programa, combinara encontrar-se com um antigo colega de curso para tomar um café e relembrar os velhos tempos de Coimbra quando, no “Café Couraça”, se entretinham a contar histórias intermináveis em noites de queima e juravam amores que nunca haveriam de cumprir.
Há muito que o amigo Fernando vivia por terras de nuestros hermanos, enfeitiçado que fora por uma linda espanhola que conhecera numa das muitas viagens de Erasmus que fizera para Florença. Vivia bem, confortavelmente, no centro de Madrid. Tinha um bom carro e orgulhava-se de passar férias nas ilhas de famosos.
Dedicara-se, segundo fizera questão de esclarecer, a um negócio de compra e venda de material informático e a vida corria-lhe de feição. Ou pelo menos, assim aparentava. Quando Luís lhe contou o que estava a passar, Fernando procurou serená-lo e disse-lhe que teria a solução para o seu problema.
Seria o seu “contabilista” em Lisboa, onde até teria uns poucos clientes, recebendo e gerindo na sua conta bancária algumas das suas transferências, a título de pagamentos pelos negócios efetuados.
Valores avultados, por sinal, fez questão de notar, dado que o negócio assim o ditava. Depois, apenas teria que os “registar” e transferir para uma outra conta, cujo NIB também lhe daria. Pelos serviços, Fernando estaria disposto a pagar-lhe uma comissão de 10% sobre os valores entrados em conta, percentagem que, segundo explicara, se devia “…à longa e bonita amizade…” que os unia.
Luís não hesitou e tudo começou a rolar como previsto.
Ao fim de alguns meses, Luís já se esquecera das dificuldades…pois, em pouco tempo, a colaboração com o amigo Fernando já lhe rendera alguns milhares de euros.
Tanto dinheiro fácil e com tão pouco esforço, pensara!
Apenas se lamentava de não ter tomado há mais tempo aquele café com o amigo Fernando…mas enfim, mais valia tarde que nunca…
O que Luís não sabia, ou demorou a perceber, é que o dinheiro que entrava na sua conta todas as semanas provinha, não da venda de material informático, como lhe dissera aliás o seu amigo de longa data, mas sim de outros negócios bem mais obscuros…
Definitivamente, tinha sido enganado desde a primeira hora…
O seu amigo Fernando tornara-o durante meses uma money mule, provando-lhe que afinal não era assim tão seu amigo…
Os meses passaram e as coisas complicaram. O caso seguiu para a justiça e a vida de Luís ficou ainda mais difícil do que antes daquele malfadado café.
Quanto a Fernando, a coisa não ficou melhor. Bem pelo contrário.
A verdade é que para o pobre e crédulo Luís de nada mais valia agora lembrar as sábias palavras que a mulher, providencialmente, lhe dissera quando lhe dera a notícia do novo trabalho de “contabilista”…
“Bom demais para ser verdade Luis!”
E não é que tinha mesmo razão!?